Missa do envio dos Jovens

31-07-2023

XVII DOMINGO DO TEMPO COMUM (A)

JMJ - Encerramento dos Dias nas Dioceses

30 de Julho de 2023


1. Hoje, a Palavra de Deus parece cheia de contradições. Por um lado, convida-nos a escolher a Sabedoria (e nós entendemos logo: convida-nos à prudência, moderação). Mas, por outro lado, o evangelho convida a que nos entreguemos totalmente ao Reino de Deus, ou seja: a Jesus. Diz-nos que vale a pena deixar tudo por causa de Jesus, sem qualquer moderação, prudência, cuidado!

Que é a Sabedoria? A Iª Leitura diz que a Sabedoria consiste "num coração inteligente". No nosso tempo, reduzimos o "coração" aos sentimentos e, por isso, achamos que "um coração inteligente" é algo que não existe.

Mas quando a Bíblia fala de "coração", quer falar de toda a interioridade do ser humano: é a consciência e o segredo, o sentimento e a razão e, sobretudo, a nossa relação com Deus. Por isso, o Salmo pode dizer: "Senhor, vós conheceis o íntimo do meu ser; sabeis quando me sento e quando me levanto. […] Ainda a palavra não me chegou à língua, e já Senhor a conheceis perfeitamente" (Sl 139).

2. Deus conhece o coração de cada um — quer dizer: não nos conhece como os outros seres humanos (que apenas nos conhecem através do que mostramos, do que dizemos ou do que fazemos). Deus conhece-nos até no mistério que cada um de nós é para si mesmo! Deus conhece quem somos, conhece a verdade do que somos. Para Ele não temos segredos. E ama-nos assim como somos. E convida-nos a ir mais longe!

Que significa, então, ter "um coração inteligente"? Salomão diz: "Dai ao vosso servo um coração inteligente, […] para saber distinguir o bem do mal".

As primeiras páginas da Bíblia narram como Adão (quer dizer: o ser humano que existe em cada um de nós) se quis apoderar da árvore, para ser ele a decidir o que é bem e o que é mal (Gen 2,17; 3,5). Quer dizer: gostamos de ser nós a medida de todas as coisas e de todas as pessoas. Salomão, ao contrário, recusa ser o critério, e pede a Deus um coração inteligente "que saiba distinguir", que saiba perceber o bem e o mal.

Para distinguir o que quer que seja (para distinguir as coisas, as pessoas, as paisagens… mas também para distinguir o que vai no interior, no coração de cada um), para distinguir precisamos de luz — da luz exterior e da luz da razão, ou (sobretudo) da luz da fé. Consoante a luz, assim percebemos tudo e todos.

Quando aceitamos viver à luz de Deus, passamos a ver tudo com o olhar de Deus. Passamos a ver tudo como Deus vê. E Deus vê tudo e todos com o amor do Pai que tudo criou. À luz do amor de Deus, podemos distinguir o bem do mal.

Nós, cristãos, procuramos ver tudo com o olhar de Deus. Dito por outras palavras: procurarmos amar todos com o Seu Coração: "Já não sou eu que vivo — gostava S. Paulo de dizer — é Cristo que vive em mim" (cf. Gal 2,20). Essa é a acção do Espírito Santo, que é o Espírito de Jesus — o Espírito que recebemos no Batismo e no Crisma. Esse é o "coração inteligente"!

3. Não andamos aqui muito longe — bem pelo contrário! — do que Jesus entende quando fala do Reino de Deus. Vale a pena, diz Jesus, deixar tudo o que temos (o modo habitual de ver, de escutar, de viver) para podermos ver tudo com os olhos de Deus. Quando deixamos que Deus tome posse do que somos, vivemos todos os momentos com Ele e por Ele: Deus reina no nosso coração; reina em nós. E, por meio de nós, vai estendendo o seu amor a tudo o que tocamos, a tudo o que fazemos, a todos com quem vivemos. Ele torna-se presente no mundo. E, desse modo, torna-se princípio de transformação real e verdadeira — radical! — deste mundo em que existimos.

Este é o "coração inteligente". Queremos, também nós, pedi-lo ao Senhor. Nele — no Reino de Deus em nós! — consiste o tesouro, a pérola de grande valor, pela qual vale a pena deixar tudo.

Santa Teresa do Menino Jesus, uma jovem carmelita francesa, que morreu com 24 anos de idade, gostava de dizer: "Meu Deus, eu escolho tudo. Não quero ser uma santa a meias; não tenho medo de sofrer por Vós. Só tenho medo de uma coisa: de conservar a minha vontade. Tomai-a porque eu escolho tudo o que Vós quiserdes" (História, A, 10).

Como vemos, a Sabedoria nada tem de cuidado, de temor, de "meias-tintas". A Sabedoria verdadeira consiste, antes, em deixar que a luz de Deus ilumine tudo o que somos: os nossos actos exteriores e o nosso coração. Consiste em querer aquilo que Deus quer para nós e para todos. Consiste no Reino de Deus em nós, e por meio de nós, no mundo. E isso devemos sempre, mas sempre, pedi-lo ao Senhor!

Depois destes dias passados na Madeira, vamos partir para Lisboa. Como Maria, também para todos nós é preciso partir e viver — viver intensamente, deixando que Deus nos encontre em tudo o que somos. Não queremos ser "santos a meias"! Queremos viver com a Sabedoria do Reino de Deus! O campo precioso, a pérola de grande valor chama-se agora JMJ Lisboa 2023 Que Deus a todos abençoe e guie. Que Ele encontre o vosso coração inteligente, disponível para viver em tudo o Seu Reino!

+ Nuno, Bispo do Funchal