Homilia Solenidade Nossa Senhora do Monte
SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DA VIRGEM MARIA
NOSSA SENHORA DO MONTE
Monte, 15 de Agosto de 2024
"Apareceu no Céu um sinal grandioso"
1. A Palavra de Deus chama-nos hoje a atenção para dois sinais: a "Mulher" e o "Dragão". Deus fá-los ver, projectados no Céu, para que, vivendo ainda no tempo, possamos estar conscientes do combate final, decisivo; e para que, olhando para este combate, percebamos também o combate quotidiano da nossa vida cristã, da Igreja, da humanidade no seu todo. A Mulher e o Dragão resumem, pois, a história de toda a humanidade e, ao mesmo tempo, são dois protagonistas do seu desfecho final.
a) A "Mulher". A palavra é, estranhamente, colocada na boca de Jesus, em duas situações do evangelho de S. João (apóstolo que também escreveu o Apocalipse). No relato de Caná (cf. Jo 2,1-12), depois do apelo de Maria ("Não têm vinho"), Jesus responde: "Mulher, que temos a ver com isso?". E aparece, igualmente, no relato da cruz, quando Jesus, prestes a entregar o Espírito, entrega a Sua Mãe o cuidado do discípulo amado e de todos os discípulos: "Mulher, eis o teu filho" (Jo 19,26).
Aquilo que, à primeira vista, poderia parecer um modo indelicado de se dirigir a sua Mãe é, na verdade, a proclamação de que na pessoa da Virgem Maria se encontra a corporização duma nova humanidade: Maria é a "nova Eva", a "Mulher nova", mãe de um novo modo de ser humano. Ela resume a novidade e a santidade que devem caracterizar os discípulos de Jesus.
Não espanta, por isso, que ela seja protagonista do combate decisivo: vestida com o sol (quer dizer: revestida da vida de Deus); com a Lua debaixo dos pés (quer dizer: para além das mudanças temporais e das suas inconstâncias); ostentando na cabeça uma coroa de doze estrelas (reinando sobre o antigo e o novo povo de Deus), a Mulher dá à luz o Messias e gera a comunidade da nova Aliança, por entre as dores da cruz. Ela é a antítese de Eva, a mulher do Génesis (3,15).
b) Contrapondo-se à Mulher, encontramos o "grande dragão cor de fogo". Neste monstro, como que está resumido tudo quanto se contrapõe a Deus, com os seus diferentes tentáculos, as suas diferentes cabeças, mais ou menos poderosas, com os seus modos de pensar e aparecer.
Sentimos diariamente a sua presença, até no segredo da nossa intimidade e no modo como vivemos. Mas sentimo-lo também à nossa volta, nesta nossa sociedade, nas realidades mais públicas: vemo-lo nas guerras e conflitos que povoam este nosso mundo; vemo-lo nas imagens de pobreza e de dificuldade que a televisão nos mostra; vemo-lo nas notícias de catástrofes; e vemo-lo em tantos outros momentos em que Deus e a fé são colocados a ridículo e combatidos. São organizações, ideologias, guerras, agendas culturais que se vão insinuando no quotidiano — umas vezes aparecendo de modo claro, outras sob o disfarce de palavras aparentemente boas e humanas, mesmo cristãs…
À semelhança do fogo, todos estes poderes querem, não apenas incendiar e dominar tudo e todos, mas também destruir o que é humano e o que é divino: é a irracionalidade, o gozo do momento, o pequeno prazer, a opinião, mas, também, o orgulho, a arrogância, a distorção do humano e do divino, o domínio de povos e nações, elevados a sistema de pensamento e de vida.
c) Olhando para estes dois protagonistas do combate, poderia parecer que a Sagrada Escritura abraça o conhecido esquema gnóstico (que continuam a querer inculcar-nos) de dois princípios iniciais (o bem e o mal), que desde sempre se dariam batalha.
Mas não é assim. Não é assim porque, no início, encontramos apenas Deus que é amor transbordante em toda a realidade criada: "No princípio, criou Deus o céu e a terra… E Deus viu que era bom" (Gn 1,1)! O mal, na sua realidade, longe de se encontrar em pé de igualdade com Deus ou de ter sido por Ele criado, é antes fruto de uma escolha livre do ser humano: entrado na história como "vírus de desobediência arrogante", o mal foi alargando os seus tentáculos a toda a humanidade e a toda a realidade criada, chegando a ser uma liberdade radicalmente ferida, "Satanás".
Mas não é assim, também, porque ainda não referimos o primeiro e último, o protagonista principal de toda a história: o Filho da Mulher, Aquele que nasceu para "governar todas as nações com ceptro de ferro", participante do trono de Deus (Ap 12,5). Faltava-nos, com efeito, falar de Jesus, o Cristo, o Messias. Dele depende a Mulher e a sua vitória: se Ela é revestida de Sol; se tem o domínio sobre o tempo e as mudanças; se ostenta na cabeça a coroa de rainha do universo é porque, graças ao sangue do Cordeiro, na Sua Páscoa, o mal foi definitivamente vencido. A Mulher (a humanidade dos resgatados no Sangue do Cordeiro) é vencedora porque, na sua morte e ressurreição, Jesus venceu definitivamente as potências do mal e, pelo Baptismo, nos dá hoje a participar da sua vitória.
O sinal que Deus nos quer dar a cada um e a todos é, portanto, um sinal de vitória: Cristo venceu e vencerá os poderes do mal. É dele a vitória definitiva. Nele podemos esperar, com a certeza de não sermos aniquilados mas antes sairmos definitivamente vencedores.
2. Prova disso é a presença da Mulher entre nós. Com efeito, a Senhora do Monte, que hoje celebramos, é a Mulher do Apocalipse — é a mesma que, em Caná, vimos interceder pelos discípulos da nova Aliança, e é a mesma que encontrámos junto à Cruz, a receber, como filho, o discípulo amado.
O "sinal" da Mulher revestida de sol, com a lua debaixo dos pés e a coroa de doze estrelas na cabeça, aparece-nos aqui, neste santuário, aos nossos olhos e diante do nosso coração, nesta frágil e antiga imagem que, no início do povoamento, falou à pastorinha do Monte e lhe ofereceu a merenda, e que, ao longo dos séculos, tem combatido o combate de Deus, como Mãe, ao lado de tantos madeirenses, na nossa Ilha e por esse mundo fora.
À vista de quantos aqui peregrinam, a imagem da Senhora do Monte pode parecer pequena, de traço popular, sem o esplendor artístico de outras imagens marianas. E, no entanto, ela tem sido e continua a ser hoje um sinal para as gentes da nossa Ilha: um sinal de que, também nós, fazemos parte "daqueles que, em Cristo, são restituídos à vida". Sim: a Senhora do Monte é um sinal da presença de Deus no meio de nós e da sua proteção em favor das gentes madeirenses.
Mas ela é, igualmente, um sinal que sempre nos convida à decisão: de que lado nos dispomos a lutar, em cada dia que passa? Tomemos consciência de que, no que diz respeito a esta luta decisiva (que, sendo final, é igualmente quotidiana), não existe neutralidade, indiferença: diante de Deus, ninguém é neutro, indiferente.
Saltam, à vista desarmada, as transformações que realizámos na paisagem da Ilha: as casas; as vias de comunicação; a beleza que a mão humana acrescentou ao paraíso natural. Mas é necessário não desistir de nos deixarmos transformar — cada um de nós e toda a nossa sociedade — de modo a que, neste combate quotidiano e final, nos encontremos cada vez mais ao lado da Mulher que temos como padroeira, e de seu Filho, o protagonista vitorioso, o Ressuscitado, Senhor da história e das nações.
+ Nuno, Bispo do Funchal