Sufrágio dos Bispos falecidos
MISSA POR ALMA DOS BISPOS DO FUNCHAL JÁ FALECIDOS
Sé, 4 de Março de 2018
"Tomai o meu jugo sobre vós, e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração" (Mt 11,29).
Nesta Eucaristia, quando passam 37 anos do falecimento do Senhor D. Francisco Santana, queremos lembrar, junto do altar do Senhor, todos os Bispos do Funchal já falecidos. Queremos fazê-lo na certeza cristã da ressurreição, o mesmo é dizer: na certeza de que todos eles, de uma forma ou de outra, encontraram a medida da sua vida em Jesus ressuscitado.
Indo bem mais longe daquilo que afirmava o filósofo grego Protágoras, não é o ser humano a medida de todas as coisas. Nós, cristãos, sabemos que a medida de todas as coisas e de todos é um Homem concreto, Jesus de Nazaré.
Ao homem não lhe basta ser humano. O homem traz consigo uma aspiração divina. Nasce com um desejo a ser mais, a ser infinitamente mais. Não lhe basta o aqui e agora do momento. É próprio do ser humano dirigir o seu olhar para um horizonte bem mais vasto: o horizonte infinito. E, por isso, nunca nos é suficiente a pequenez humana, as limitações inerentes à nossa condição de criaturas. O nosso olhar dirige-se, invariavelmente, para mais longe, dirige-se para Deus, dirige-se para a eternidade.
É aliás este desejo, quando mal ordenado, centrado no indivíduo e não em Deus - o desejo do egoísta que se julga o centro do universo, e que tudo e todos mede a partir de si mesmo, das suas necessidades e dos seus gostos, tomando-se a si mesmo como a medida de todas as coisas - é este desejo de infinito mal orientado que nos conduz ao pecado e à morte. Quando assim acontece, passamos a viver na mentira da criatura que se julga o Criador; no pesadelo do limitado que se pretende infinito; no drama do fraco que se imagina capaz de tudo. Quando o ser humano, qualquer que ele seja, se julga Deus e se coloca no lugar do Criador, rapidamente surgem as ditaduras, as injustiças, a desumanidade, a guerra.
Ao contrário, o Evangelho coloca diante de nós a pessoa de Jesus. Quando escutamos a Palavra e deixamos que, em nós, ela dê frutos, surge perante o nosso rosto a pessoa do Deus feito homem. Surge a manifestação única, concreta, histórica, do amor divino que, como afirma S. Paulo, "Não se valeu da Sua igualdade com Deus mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de escravo. Tornando-se semelhante aos homens e reconhecido no seu aspecto como simples homem, abaixou-se, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz" (Filp 2,7-8).
Em Jesus Cristo, Deus faz-se homem. Vive como um de nós. Verdadeiro homem, "Em tudo igual a nós, excepto no pecado", como afirma a Carta aos Hebreus (Heb 4,15). Deste modo, Deus deixa de ser distante. Torna-se um Deus próximo. Um Deus que experimenta as nossas fraquezas e limitações, as nossas tristezas e alegrias; um Deus que vive, em primeira pessoa, o próprio drama da morte. De tal modo que cada ser humano pode afirmar e experimentar: "aquele que acredita nunca está sozinho, nem na vida nem na morte" (Bento XVI, Homilia, 24 Abril 2005), porque Deus está com ele. Mesmo quando todos nos abandonarem, mesmo na solidão maior - e a solidão maior é a solidão da morte - mesmo aí caminhamos com Jesus; Ele está connosco.
Então, mortos com Cristo, sepultados com Ele no batismo (Rom 6), sabemos que com Ele ressuscitamos. Que com Ele vivemos uma vida nova.
Não precisamos de mentir, procurando convencer-nos de que somos uns pequenos deuses. Basta-nos sermos filhos de Deus no único Filho de Deus que é Jesus - e tal condição ultrapassa tudo aquilo que pudéssemos algum dia desejar. Vivendo em Cristo abre-se, verdadeiramente, diante de nós o horizonte infinito da eternidade. Não como mera promessa, não como uma simples possibilidade a ser eventualmente realizada no futuro, mas como certeza. É a certeza da fé, que nos diz não vivermos já por nós próprios ou em nós próprios, mas para Cristo que por nós morreu e ressuscitou (cf. 2Cor 5,15).
2. Compreendemos, deste modo, o convite de Jesus no trecho do evangelho de S. Mateus que acabámos de escutar: "Tomai o meu jugo sobre vós".
Longe de Jesus propor aos seus uma qualquer forma de escravidão. Longe de Jesus impor-nos como caminho qualquer destruição ou apoucamento do humano. Longe de Jesus aprisionar-nos com um qualquer grilhão ideológico.
Com Ele, ao contrário, é-nos oferecida a liberdade verdadeira porque só com Ele podemos ser nós mesmos, tal como o Pai nos pensou e amou, e realizar, ao mesmo tempo, o desejo de infinito, de imortalidade que sempre trazemos connosco.
É um jugo, porque traz consigo uma condição que é única: a de nos aceitarmos como filhos de Deus em Cristo. Mas jugo suave porque divino, porque nos liberta de todos os jugos humanos - esses sim, promessas ilusórias, escravidões que nos tornam menores. Quem está com Deus e aceita a Sua presença, vê-se livre de todas as cadeias, como tão bem experimentou o Apóstolo S. Paulo: "Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão" (Gal 5,1).
Assim, quando reconhecemos que Jesus é a medida da nossa vida; quando deixamos que a nossa existência seja medida pela Sua - a vida de um Deus feito homem -, não estamos a querer medir-nos, a comparar-nos a Cristo: seria apenas mais uma loucura de pecador. Estamos antes a dizer que, aceitando viver em Cristo, a nossa vida adquire uma outra dimensão, um novo horizonte.
Deixemo-nos medir, julgar por Cristo. Ele é manso e humilde de coração. Ele é o juiz misericordioso que, sem o merecermos, nos eleva, nos liberta, nos torna divinos.
3. Queremos hoje dar graças a Deus por todos os pastores da nossa Igreja do Funchal, que a ajudaram a ser presença de Jesus ressuscitado nestas ilhas do Atlântico. Que a foram moldando ao longo dos séculos e lhe deram o rosto cristão que hoje pode, felizmente, apresentar. Que a tornaram, apesar de todos os pecados e imperfeições, presença de Cristo. Queremos pedir para os que foram nossos bispos e já partiram, a misericórdia do Senhor, juiz manso e humilde de coração, sempre pronto a perdoar. Mas queremos igualmente pedir para nós, Igreja diocesana do Funchal, a graça de sermos sementes e semeadores de eternidade, mostrando a suavidade do jugo divino, a liberdade que ele nos concede, o horizonte infinito que ele abre diante de nós, e para o qual e no qual ele nos convida a caminhar. Queremos pedir para nós e para a nossa Ilha a graça de sempre se deixar medir e julgar pelo Deus feito Homem que é Jesus Cristo.
+ Nuno