Pentecostes e Crismas na Sé

07-06-2022

SOLENIDADE DO PENTECOSTES

Sé do Funchal, 05 de Junho de 2022


"Como é que os ouve cada um de nós falar na sua própria língua?"

Os judeus que estavam em Jerusalém para celebrar a festa do Pentecostes vinham de todos os cantos do mundo. Cada um falava a sua língua. Mas todos conseguiam entender aqueles pobres e analfabetos pescadores da Galileia. E admiravam-se do sucedido.

A questão não era, como é óbvio, um qualquer grau académico, que hoje diríamos "obtido por via administrativa". O que tinha sucedido era algo bem diferente.

No final do evangelho podemos encontrar uma pista para compreender o que sucedeu. Jesus ressuscitado encontra pela primeira vez os discípulos. Com tudo o que isso significa de surpresa. Mas a maior surpresa está no final do relato: "Soprou sobre eles e disse-lhes: recebei o Espírito Santo".

A primeira surpresa foi o encontro com Jesus ressuscitado. Aqueles homens tinham-no visto morto na cruz e sepultado: como era possível que agora estivesse vivo? Como era possível que se tivesse libertado das amarras da morte e conseguisse ultrapassar todos os outros obstáculos que se colocavam para chegar até eles?

Para nós que fomos formados num espírito científico e matemático, isso ainda é mais admirável. Somos tentados a recusar imediatamente. A dizer que isso, simplesmente, não é possível.

Claro que se olharmos apenas para este nosso mundo e estivermos à espera que ele se submeta sempre a uma lei das ciências naturais, qualquer que ela seja, tudo se torna difícil de entender. Mas sabemos, por experiência, que a realidade não se resume àquilo que pode ser medido pelas ciências. A amizade, por exemplo, apesar de real, não pode ser medida pelas ciências! As ciências explicam apenas uma parte deste nosso mundo. Estão bem longe de poderem tratar tudo o que é humano! E estão bem longe de poderem tratar Deus e a sua relação connosco: se Deus fosse objecto de uma qualquer ciência, deixaria de ser Deus; passaria a ser um objecto como todos os outros!

Se virmos bem e sem preconceitos, a realidade que nos cerca e a realidade da nossa própria vida é toda ela um milagre: é algo de admirável que nos conduz a perguntar imediatamente não só pelo "como" mas sobretudo pelo "porquê". Mesmo aquilo que torna possível as ciências é um milagre: como é que a realidade material poderia funcionar de um modo tão regular, se fosse apenas fruto do acaso e não do amor livre e criador de Deus?

O Jesus que aqueles homens encontraram no Domingo de Páscoa é ainda maior que tudo isso: é Deus que vem ao encontro dos seus discípulos. Estava ali, diante deles, vivo, ressuscitado, a transbordar da vida de Deus. Agora entendiam porquê que as palavras de Jesus atraíam dum modo único. Agora entendiam os seus actos de poder, que dominavam o mar, os ventos, as doenças, a morte. Agora entendiam a pessoa de Jesus: é Deus connosco!

Mas uma outra surpresa estava ainda para acontecer: Jesus ressuscitado soprou sobre eles. Ao fazê-lo, partilhou com os discípulos o Seu Espírito, a Sua vida, a Sua respiração. E eles viram-se envolvidos pelo Espírito, pelo respirar de Jesus.

A partir desse momento, a sua vida mudou. A sua vida já tinha mudado, tr~es anos antes, quando Jesus tinha passado por eles e lhes tinha dito: "Segue-Me". Nesse dia, tinham deixado tudo para seguir Jesus e integrar o grupo, a comunidade dos discípulos, o começo da Igreja. Mas, agora, eles próprios se tornaram presença de Jesus. A vida de Jesus ressuscitado tomou de tal forma conta das suas pessoas que também eles respiravam Jesus ressuscitado. Eram, de verdade, presença de Jesus. A Igreja nasceu assim: quando o Espírito de Jesus ressuscitado encontrou o coração disponível daqueles humildes pescadores e estes acolheram a vida de Jesus.

De há 2 mil anos a esta parte, essa é a vida e a razão de ser da Igreja. Pelo meio do caminho e apesar dos pecados, da fragilidade, dos erros de todos (também nossos) - e por entre as virtudes e a santidade dos baptizados, o Espírito de Jesus ressuscitado toma conta da vida daqueles que estão disponíveis para ser a Sua presença, que aceitam respirar ao ritmo de Jesus.

Caros amigos que ides ser crismados, esse é o sacramento que ides receber dentro de momentos. O Espírito de Jesus virá sobre vós como naquele dia de Pentecostes. Se encontrar corações disponíveis, será como o vento e como as línguas de fogo do primeiro Pentecostes: desinstala, muda e faz mover aquilo que somos. Será como o fogo que aquece, que une e dá entusiasmo. Será como a respiração de Jesus ressuscitado que fazemos nossa, deixando que tudo o que somos passe a viver ao ritmo de Jesus. Será, de verdade, aquela linguagem do amor, que mesmo quantos ainda não a receberam são capazes de entender: a linguagem que une a humanidade; Deus que se expressa em cada língua, em cada vida, numa perfeita harmonia; deixarão de existir obstáculos, muros, fronteiras.

Num momento de silêncio, deixemos que os nossos corações se encontrem com Jesus ressuscitado. Sejamos disponíveis para o tesouro que Ele nos quer entregar: a Sua vida, a vida do Espírito. Não tenhamos medo de respirar, de viver ao ritmo de Jesus. Ele não nos retira nada - a nossa família, os amigos, as nossas qualidades... Mas faz-nos viver tudo isso dum modo novo: ao Seu ritmo, ao ritmo do Espírito!

+ Nuno, Bispo do Funchal