Patrocínio de Nossa Senhora do Monte

12-10-2020

SOLENIDADE DO PATROCÍNIO DE NOSSA SENHORA DO MONTE

Sé do Funchal, 9 de outubro de 2020


1. A Virgem Maria tem um especial lugar na vida cristã. Ela é a mulher, Mãe de Deus, que ofereceu ao Verbo a natureza humana, possibilitando-lhe, desse modo, a encarnação, a entrada na história dos homens e, assim - Deus feito carne no seio da história -, o acesso à salvação para os homens de todos os tempos e lugares.

A Virgem Maria é, também, por antonomásia, a figura do discípulo que literalmente se coloca no seguimento do Mestre divino, acompanhando-O pelas estradas da Galileia e da Judeia, escutando-O, assistindo-O e partilhando com Ele a vida. De um modo particular, a Virgem seguiu o seu Filho em Jerusalém, junto à cruz - vivendo de pé aquele momento singular da história, o vértice em que o tempo encontrou o seu sentido: Maria é o discípulo que todos nós ansiamos ser, a perfeição da fé, esperança e caridade; aquela que antes de conceber no seu seio o Verbo divino, O concebeu primeiramente no coração.

A Virgem Maria é, ainda, a imagem da Igreja finalizada, a Arca da Aliança, onde Deus e o homem se encontram, permanecendo, desse modo, unidos para sempre: Maria é a Mãe que recebe o discípulo como filho, o acompanha, o chama ao Evangelho. Maria é, ainda hoje, a Mulher por quem Deus continua a fazer-Se encontrado, agora nos caminhos do homem, quaisquer que eles sejam e para onde quer que eles se dirijam.

Olhando para Maria, descobrimos como o drama do pecado humano, cheio de mentira e enganos, de meias palavras e de falta de coragem, não constitui o destino a que estamos condenados, a última e definitiva palavra sobre a nossa existência como pessoas e como comunidade humana: não estamos condenados ao mal e ao pecado, à destruição e à morte.

Olhando para Maria, o cristão - e, em última análise, qualquer ser humano - descobre a sua verdadeira vocação. Se esta vocação à vida eterna começou por ficar escondida, encoberta pela mentira que sempre caracteriza o pecado, ela foi, finalmente, colocada a descoberto, patente a todos, com o surgir da nova Eva, Mãe da nova humanidade - aquele modo novo de ser humano começado na manhã de Páscoa, quando a morte foi para sempre derrotada por Jesus crucificado, e a vida surgiu, esplendorosa, no momento da ressurreição do Senhor.

Mas, em Maria, os cristãos descobriram também a intercessora junto de seu Filho Jesus Cristo. Ela, desde sempre - acabámos de o escutar na narração evangélica das Bodas de Caná -, apresenta a Jesus as dificuldades humanas: desde aquelas mais profundas e secretas (decisivas para o correr da história), às outras, mais concretas, que, porventura, poderíamos achar comezinhas, mas não menos importantes no quotidiano dos crentes. Maria reza connosco e intercede por nós.

Não nos espante, por isso mesmo, que onde existe a fé em Cristo encontremos, igualmente, sinais de devoção à Virgem Maria. A Ela, com efeito, se dirigem todos os cristãos, membros como Maria do mesmo Corpo Místico de Cristo, pedindo e recebendo graças, auxílios, esperança e conforto nos tempos de dificuldade, entusiasmo, benção e renovado ânimo nos tempos de alegria: é assim a vida da fé, hoje como nos dias iniciais da Igreja, sempre com a Virgem como primeira orante, colocada bem no centro das comunidades cristãs.

2. Descobriram-no, logo desde o princípio do povoamento da nossa Ilha, os habitantes da Madeira. O primeiro homem nascido na Ilha, a que, significativamente, foi dado também o nome de "Adão" (Adão Gonçalves Ferreira), mandou construir em 1470 a primitiva capela de Nossa Senhora da Encarnação, sinal claro da devoção mariana daqueles que aqui começavam uma nova história.

Significativamente também, próximo daquele lugar, alguns anos depois, uma Menina brincou com uma pequena pastora, partilhando com ela a merenda.

Foi deste modo que a Virgem Maria se quis apresentar aos madeirenses: uma Menina que faz sua a vida dos mais pequenos e dos mais pobres, e lhes oferece de comer, num encontro simples, alegre.

Não é agora a ocasião para recordar todos os momentos importantes desta presença constante da Virgem Maria na vida dos madeirenses. Poderíamos percorrer as várias paróquias da nossa Diocese, que aí sempre haveríamos de encontrar sinais dessa presença. Baste-nos aqui recordar a constituição da Confraria dos Escravos de Nossa Senhora do Monte, em 1750, pelo bispo D. Fr. João do Nascimento, "em reconhecimento dos contínuos benefícios que esta Ilha recebeu e está recebendo de Deus por intercessão de Nossa Senhora do Monte", como diz a capa do livro da referida confraria.

Mas hoje queremos sobretudo recordar aquele momento de aflição de há 216 anos, quando, durante mais de dez dias, chuvas intermitentes caíram sobre a cidade e, depois, no dia 9 de outubro, quando a chuva caiu de uma forma intensa durante 12 horas seguidas, num autêntico dilúvio de destruição e morte.

Nessa altura, uma vez mais, os cristãos madeirenses dirigiram-se a Nossa Senhora do Monte. Procuraram a sua intercessão de Mãe e colocaram-se sob o seu patrocínio, numa atitude que o próprio Papa viria, um ano depois, a confirmar, ao instituir a Festa que agora celebramos.

A intercessão da Virgem Maria nunca nos faltou. O seu conforto de Mãe esteve sempre presente ao longo da nossa história. E os madeirenses a Ela sempre recorreram, acolhendo a sua presença, escutando as suas palavras, aproximando-se, por meio dela, de Jesus Cristo, seu Filho, Deus feito Homem, único salvador do mundo.

Também o percebemos e sentimos nós, neste ano e durante o tempo que estamos a viver: Nossa Senhora do Monte não nos faltou. E esta presença constante da Virgem, ao nosso lado, convida-nos a renovar a nossa entrega, a confiança sempre crescente na Mãe do Céu, a escutar as suas palavras de mulher, mãe, esposa, discípula, mestra, conselheira, advogada, toda entregue a Jesus.

Saibamos nós, na esteira dos nossos antepassados, desde o início da Igreja e desde o início do povoamento desta nossa Ilha da Madeira, entregar-nos nas mãos maternais de Nossa Senhora do Monte.

Nos nossos dias como no tempo passado, Ela não nos faltará.

+ Nuno, Bispo do Funchal