Jubileu dos Consagrados

JUBILEU DOS CONSAGRADOS
IV Domingo do Tempo Comum (C)
Sé, 2 de fevereiro de 2025
"Sinais de esperança para o mundo"
1. A Festa da Apresentação do Senhor é a "festa do encontro" entre o Messias e o seu povo: esperado por Israel durante tantos séculos, eis que, finalmente, o Messias se faz presente no Templo de Jerusalém, o centro da vida crente de Israel.
Como acabámos de escutar, S. Lucas não diz nada sobre como Maria e José cumpriram os preceitos da Lei (40 dias depois de ter dado à luz, a mulher devia realizar os "ritos da purificação", e o primogénito devia ser resgatado). Sabemos apenas que ofereceram a oferta dos pobres: duas pombas. Ao contrário, S. Lucas centra a sua atenção em dois personagens de idade avançada, Simeão e Ana, que vieram ao encontro da Sagrada Família.
Deles não sabemos absolutamente nada senão o que nos diz o evangelista. Procuremos nessa pouca mas importante informação alguns pontos de meditação para este Jubileu da Vida Consagrada na nossa Diocese.
a) O nome "Simeão" significa: "aquele que escuta" — que escuta a Escritura e a actualiza, como fica claro com as passagens do profeta Isaías (Is 49,6 e 52,10) que tecem as suas palavras.
Simeão era, igualmente, um "homem justo e piedoso" — expressões que, no Antigo Testamento, servem para referir o judeu exemplar, que cumpre a justiça da Lei e adora a Deus com toda a sua vida. Como disse o Papa Francisco: a Simeão, "basta-lhe Deus como é; nele encontra o sentido da sua vida" (2 fevereiro 2019).
Simeão escuta e actualiza as Escrituras, mostra como elas se cumprem no presente e nos ajudam a percebê-lo. Fá-lo porque é, também, o homem habitado pelo Espírito Santo: é-nos dito que "o Espírito Santo estava nele"; que "o Espírito Santo lhe tinha revelado que não morreria sem ver o Messias do Senhor"; e, por fim, é dito que viera ao Templo movido pelo Espírito. Simeão era, portanto, um profeta.
Era velho: à imagem do povo de Israel, toda a sua existência tinha sido vivida na expectativa do Messias. Simeão como que resume na sua pessoa a fé e a esperança do povo do Antigo Testamento. Mas a sua velhice não lhe impedia a capacidade de se deixar surpreender por Deus no presente. Pelo contrário, Simeão vê mais longe: vê com os olhos da carne (acolhendo aquela família com o seu filho) mas vê, sobretudo, com os olhos da fé, reconhecendo naquele Menino o Messias, Deus que, finalmente, vinha ao encontro do seu povo.
De facto, o encontro com o Messias não poderia ser mais surpreendente. Longe de um vencedor dos inimigos, revestido da glória divina, eis que, nos seus velhos braços, Simeão recebe um Menino, um recém-nascido. Mas tem a sabedoria de se deixar conduzir por ele. A Antiga Aliança dá lugar à nova; a Lei dá lugar à Graça.
b) Quanto a Ana, também ela de idade avançada (tinha 84 anos, num tempo em que as mulheres morriam cedo e a esperança de vida rondava os 40 anos), o seu nome significa "cheia de graça". É filha de Fanuel (um personagem completamente desconhecido, mas cujo nome significa "aquele que vê a Deus"), membro da tribo de "Aser" (quer dizer: "feliz, bendito"). A sua origem e o seu nome são pois, já por si, um programa de vida: alguém que encontra a felicidade em Deus seu salvador, capaz de discernir e perceber o tempo presente à luz da vida com Deus.
Esta pobre viúva — sabemos como o ser viúva era, por si, sinal de pobreza na sociedade israelita do tempo — facilmente a imaginamos a viver, também ela, das memórias do passado. Mas Ana, vivendo estreitamente ligada à Casa de Deus durante quase toda a sua existência, foi capaz de perceber Deus no presente. Sim: Ana é, também ela, dotada desta capacidade de ver mais longe e mais profundamente, reconhecendo o Messias naquele Menino pequeno e frágil.
Assim, não nos pode espantar que Ana — habitante do Templo de Jerusalém durante tantos anos ("servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações") — não hesite em "sair": "Começou também a louvar a Deus e a falar acerca do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém".
2. Mesmo que brevemente, olhemos alguns pontos essenciais para a nossa vida, e que nos são oferecidos por este encontro no Templo de Jerusalém.
a) Deixemo-nos, em primeiro lugar, encontrar e surpreender pelo Menino, pelo Salvador frágil e pequeno, que continua a vir ao nosso encontro, ao encontro da nossa vida.
Vem até nós com todo o realismo. Insiste em estar presente na nossa existência: na nossa história concreta e real. Mas vem até nós como Ele é, e não como O esperamos ou imaginamos, com os nossos preconceitos e expectativas acerca de Deus. O Deus Menino é sempre uma surpresa, mesmo para nós que consagramos a nossa vida ao seu serviço. Deixemos que a Sua Presença no meio de nós nos espante, nos surpreenda, nos contagie e nos corrija.
b) Como Simeão, escutemos. Escutemos a Sagrada Escritura e escutemos o tempo presente. Escutemos a Palavra feita carne que é o próprio Jesus — é com esse acontecimento da história que havemos de confrontar o que pensamos e o que queremos, as nossas concepções acerca de Deus e o que pensamos e julgamos acerca da nossa vida e da vida da nossa sociedade: tudo isso há-de ser iluminado e transformado pela "Presença luminosa" do Senhor.
Escutar significa deixar que o coração seja preenchido pela Palavra; significa deixar que o coração se deixe transformar por ela. Deixemos que Deus transforme a nossa velhice, feita de anos já vividos, hábitos já conhecidos, e nos ofereça a sua novidade perene.
E escutemos o grito do homem nosso contemporâneo: escutemos a sua sede de Deus, a sua procura de felicidade (por vezes em caminhos tão errados), a sua vontade de ir mais longe. Que as dificuldades e as conquistas contemporâneas possam ser iluminadas pela Palavra feita Carne, Jesus Salvador do mundo.
c) Deixemos que o Deus feito Homem venha ao nosso encontro e nos dê a capacidade de ver mais longe, de ver com o Seu Espírito. Neste tempo de felicidades pequenas e passageiras, de prazeres efémeros, deixemos que Ele nos abra os horizontes do coração e de toda a nossa existência, e nos faça contemplar a felicidade que é estar com Ele e ser dele para sempre.
Deixemos que o Deus a quem consagrámos a nossa vida conduza o nosso coração para um horizonte mais longínquo e mais profundo, capaz de ir além do sofrimento que a fidelidade sempre nos traz, para sermos dele completamente, em toda a nossa vida. Esse é um horizonte que não é fruto de uma projecção humana ou de uma imaginação fértil, mas que veio até nós na ressurreição e no Pentecostes, e que foi e é testemunhado por tantos consagrados ao longo de todos este séculos de vida cristã.
Aos consagrados de hoje, o mundo pede, exige, o testemunho de um horizonte de vida maior. Um testemunho da felicidade eterna, que nos ajude a todos a ver mais além e mais profundamente.
d) E não tenhamos medo da felicidade que Jesus nos oferece. Sim, viver com Deus faz-nos felizes. Imensamente felizes. Que outra realidade poderá oferecer maior felicidade que sermos todos, inteiramente, de Deus — consagrados? Que maior felicidade poderá existir que aquela de vivermos, já aqui e ainda no meio de tantas preocupações que marcam o nosso mundo, a certeza da vida que não tem fim, a certeza da contemplação eterna de Deus? Seremos felizes no Céu, e por isso, queremos mostrá-lo e vivê-lo já hoje.
e) Por fim, sejamos capazes de o testemunhar, como Ana. Aquela velha de 84 anos não hesitou: "Começou também a louvar a Deus e a falar acerca do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém". Louvar a Deus e anunciar as Suas maravilhas: eis um excelente programa para o todo da nossa existência e para o nosso quotidiano.
Esteja connosco Nossa Senhora das Candeias e da Purificação. Que ela interceda por nós, de forma a que, também em nós e nas nossas comunidades, o Menino possa crescer, tornar-se robusto e encher-nos de sabedoria. Poderemos, assim, ser presença da esperança maior que ele quer oferecer ao nosso mundo.
+ Nuno, Bispo do Funchal