Homilia 50 anos Ordenação Episcopal D. Francisco Santana
IV DOMINGO DA PÁSCOA (B)
Jornada Mundial de Oração pelas Vocações
Sé do Funchal, 21 de abril de 2024
1. Reunimo-nos nesta nossa Catedral, antes de mais e em primeiro lugar, para dar graças a Deus por Jesus Cristo, o nosso Bom Pastor.
Reconhecemo-nos também nós nas ovelhas da parábola evangélica. Nem nos importa, neste caso, fazermos parte de um rebanho, porque é o rebanho do Bom Pastor. Do único Bom Pastor. Está, por isso mesmo, afastado qualquer perigo de perda de personalidade, de "seguidismo irracional" que tantas vezes caracteriza as ovelhas e os rebanhos. Pelo contrário: no redil do Bom Pastor cada um de nós é cada vez mais si mesmo, único porque amado com amor único, total e eterno. Fazemos parte de uma comunidade, mas jamais deixamos de ser nós mesmos, com as nossas características.
Sim: queremos deixar-nos pastorear por Jesus, sempre e cada vez mais. Naquelas atitudes do Bom Pastor para com o seu rebanho, reconhecemos o modo como Jesus Cristo trata a cada um de nós. Reconhecemos como Ele nos deu e continua a dar a sua Vida. A sua morte e ressurreição não se limitaram àquele momento da história, ocorrido, segundo a tradição, no ano 33 da nossa era. A Vida que Jesus oferece nesse momento único abraça-nos e envolve-nos — atrai-nos para si e transforma aquilo que em nós é morte em Vida verdadeira e eterna.
Sim: Jesus não é um mercenário que faça simplesmente belos discursos e procure seguidores; não é um mercenário que não se importe com cada uma das ovelhas do seu rebanho mas tão somente com os lucros que delas possa tirar; não é um mercenário que não olhe para as ovelhas como suas, que as trate como instrumento para chegar aos seus fins.
Bem pelo contrário: percebemos como o Senhor nos conhece, a cada um — conhece-nos melhor que nós mesmos! Conhece não apenas a aparência superficial que gostamos de mostrar para que nos admirem, mas conhece as razões mais íntimas das nossas escolhas, dos nossos sentimentos, do nosso agir e do nosso ser — mesmo as razões que nós próprios desconhecemos! Como nos conhece, o Senhor!
Mas o Bom Pastor faz-se, também, conhecer. Sim: em cada dia que passa, Ele abre, a cada ovelha que O procure, a sua intimidade, o seu coração. É, de verdade, um caminho apaixonante, este de, ao longo da nossa existência, irmos conhecendo cada vez melhor o Senhor, quem Ele é, procurando mergulhar diariamente no oceano infinito de amor que Ele coloca diante de nós e ao nosso alcance. É uma maravilha podermos perceber como Ele nos eleva, nos trata tal como um amigo fala com o seu amigo — tanto mais que não o merecemos!
A sua voz — que ecoa na voz da Igreja — faz-se ouvir também aos nossos ouvidos e ao nosso coração: é a voz do Bom Pastor, bem o reconhecemos. É uma voz que fala na nossa consciência; é uma voz que fala na Sagrada Escritura; é uma voz que fala no irmão e nos acontecimentos da história. Interpela-nos; chama-nos a ser mais; não nos descansa, nem descansa enquanto não formos melhores.
Sim: o Senhor procura-nos e procura também todos os que vivem afastados. É uma actividade que não conhece descanso, que busca a mais pequena oportunidade, que deita mão não apenas dos meios que já são esperados e conhecidos, como também dos mais impensáveis. O Bom Pastor procura-nos a nós que tantas vezes nos afastamos dele; e procura todos aqueles que se quiseram afastar ou que insistem em viver afastados do seu redil.
2. Mas hoje reunimo-nos também nesta Catedral para rezar pelas vocações consagradas. Reunimo-nos para corresponder ao pedido do Papa Francisco nesta Jornada em que toda a Igreja reza em uníssono pelas vocações. Reunimo-nos porque sabemos que devemos pedir ao Senhor da Messe mais e santos trabalhadores para a sua vinha. Reunimo-nos porque a nossa Diocese deles carece. Reunimo-nos porque a oração move montanhas e, sem vocações de consagração ao Senhor, o mundo fica mais pobre, a conversão é mais difícil, a Vida Eterna mais longínqua.
Pedimos ao Senhor mais sacerdotes que possam ser presença sacramental dele que é o Bom Pastor; que consagrem a Eucaristia, perdoem os pecados e unjam os doentes. Pedimos ao Senhor mais religiosas que vivam na oração a sua entrega total ao esposo; que cuidem dos doentes e dos mais necessitados; que sejam sinal da Vida Eterna para onde caminhamos.
Pedimos ao Senhor mais consagrados, nós que vivemos numa Ilha, outrora abundante de vocações, de onde partiram tantos missionários para os diferentes cantos do mundo, e que hoje sente o vazio do ideal missionário.
3. Finalmente, queremos hoje dar graças ao Senhor Jesus pelo Bom Pastor que foi o Senhor D. Francisco Santana. Lembramos o dia de há 50 anos, quando na Catedral de Lisboa, ele era ordenado Bispo. Nesse dia, entre os que participavam na ordenação episcopal seriam poucos os que imaginavam a transformação profunda que viria a suceder apenas três dias depois, com a revolução dos cravos.
Mas aqueles que passámos por esses dias que transformaram a vida social, económica e política portuguesa, não poderemos esquecer o entusiasmo com que vivemos esse período — porventura até a ilusão com que o vivemos — mas também como tudo poderia facilmente ter descambado na anarquia e no poder da rua, substituindo apenas uma ditadura por uma outra de sinal contrário.
Tive apenas a possibilidade de trocar umas breves palavras com o Senhor D. Francisco. Mas, enquanto seu sucessor na Cátedra da nossa Diocese, não posso deixar de reconhecer a sua coragem, a sua perspicácia e o seu olhar de fé para ajudar a conduzir esta nossa Região ao que hoje conhecemos e somos.
É por isso, também, que não o podemos esquecer. Não o podemos esquecer como cristãos, porque a isso nos conduz a caridade — que nos impele a rezarmos uns pelos outros, em particular por aqueles que já partiram. Mas não o podemos esquecer, também, porque, neste dia do Bom Pastor, reconhecemos na figura de D. Francisco Santana a concretização da própria figura de Jesus que conhece e se dá a conhecer; que escuta e se faz escutar; que procura as ovelhas, mesmo aquelas que andam perdidas.
Ao Pai do Céu encomendamos a alma do Senhor D. Francisco Santana, pedindo que lhe sejam perdoados todos os seus pecados. Mas pedimos para nós — para todos nós — a graça de ser cada vez mais ovelhas fieis desse que é o Bom Pastor. E pedimos, finalmente e sempre, o dom de muitas e santas vocações para a nossa Diocese e para toda a Igreja.
+ Nuno, Bispo do Funchal