Homilia XXIX Domingo Tempo Comum - Festival de Órgão

XXIX DOMINGO TEMPO COMUM (C)
Sé do Funchal, 19 de outubro de 2025
Festival Internacional de Órgão
1. Uma das características do ser humano é a sua capacidade de pedir. Somos capazes de dar, de nos darmos, mas somos também capazes de pedir. Um ser humano que jamais tenha pedido alguma coisa a alguém, creio que podemos dizer nunca ter existido. E essa atitude de pedir nunca nos tornou menores. O ato de pedir é, simplesmente, um reconhecimento de que não estamos sozinhos, não somos auto-suficientes, não dominamos tudo. Necessitamos uns dos outros. O ser humano é, portanto, um ser capaz de pedir. Por isso, não sei porquê alguns teimam em considerar a oração (e, em concreto, a oração que pede algo a Deus) como qualquer coisa sem sentido. Sim: a nossa liberdade, criada e finita, pede a Deus, coloca nas suas mãos aquilo de que necessitamos e que apenas Ele é capaz de oferecer; implora o que não somos capazes de conseguir pelo nosso agir, pela nossa força ou vontade. Na oração que o Senhor ensinou aos seus discípulos, depois de uma invocação do "Pai que está nos Céus" e cujo nome — quer dizer: toda a sua Pessoa — é santo, Jesus ensinou-nos a pedir e aquilo que devemos pedir: que o Reino de Deus venha; que a Sua vontade seja
2. feita na terra tal como é realizada no Céu; que em cada dia possamos ter o alimento (o pão da mesa e o pão da Eucaristia); que as nossas ofensas possam ser perdoadas tal como perdoamos aos que nos ofendem; e que o Pai não nos deixe cair em tentação, mas antes nos livre do mal. Jesus ensinou os discípulos a orar e a pedir. Hoje, o Senhor continua esse ensino: diz que não devemos desistir de rezar, e acrescenta: "E Deus não havia de fazer justiça aos seus eleitos, que por Ele clamam dia e noite, e iria fazê-los esperar muito tempo? Eu vos digo que lhes fará justiça bem depressa". Se mesmo o juiz iníquo acaba por aceder ao pedido da viúva, quanto mais Deus! Aliás, a prova de que tomarmos esta atitude de pedir ao Pai, ao nosso Pai do Céu, aquilo de que necessitamos não nos torna menos dignos, é o facto de que o próprio Deus não hesita em mendigar o nosso amor porque sabe que amar a Deus nos faz bem, porque sabe que essa atitude nos salva! Se Deus mendiga o nosso amor, porque havemos de temer apresentar-Lhe os nossos pedidos? Mas, no evangelho, Jesus dizia-nos igualmente aquilo que devemos pedir: "Quando o Filho do Homem voltar". Quer dizer: havemos de pedir o que o Senhor ensinou aos seus discípulos no Pai nosso, e que resume todos os demais pedidos: "Venha a nós o vosso Reino".
3. Mais que pedir a satisfação de pequenos desejos, havemos sobretudo de ser capazes de pedir a Sua vinda, a vinda do Seu Reino — sabendo que, com a Presença do Senhor ao nosso lado, seremos capazes de ultrapassar todas as dificuldades que nos surjam, seremos capazes de enfrentar todos os medos. Com Ele nada nem ninguém nos pode derrotar! Pedimos porque nos dirigimos àquele que nos ama. Temos a ousadia de pedir se amamos aquele a quem pedimos e se temos a certeza de que ele nos ama. Ousamos apresentar os nossos pedidos a Deus porque temos a certeza de que somos amados e que Ele nos quer bem. E, por isso, abrimos diante dele o nosso coração, o centro da nossa existência — "derramando a alma diante do Senhor", como dizia Ana, a mãe de Samuel, ao tentar resumir a sua oração diante de Deus (cf. 1Sam 1,15). Pedir é pois próprio daquele que ama; é próprio do cristão.
Um dito atribuído a Santo Agostinho diz: "Quem canta, reza duas vezes". Das muitas obras do Santo Bispo de Hipona, não é conhecida nenhuma passagem em que essa afirmação nos apareça assim, dum modo literal. Mas Agostinho tem várias passagens dedicadas ao canto.
4. Ao que tudo indica, aquela expressão terá tido origem numa passagem dos Comentários aos Salmos, quando Agostinho diz: "Aquele que canta um louvor, com efeito, não apenas louva, mas louva com alegria. Quem canta um louvor, não apenas canta como ama aquele que canta. No louvor existe a voz exultante de quem elogia, no canto há o afecto daquele que ama" (In Ps 72,1).
E o Catecismo da Igreja Católica não hesita em afirmar: "A tradição musical da Igreja universal criou um tesouro de inestimável valor, que excede todas as outras expressões de arte, sobretudo porque o canto sagrado, intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da liturgia solene. A composição e o canto dos salmos inspirados, muitas vezes acompanhados por instrumentos musicais, estavam já estreitamente ligados às celebrações litúrgicas da Antiga Aliança. A Igreja continua e desenvolve esta tradição: «Recitai entre vós salmos, hinos e cânticos inspirados, cantai e louvai ao Senhor no vosso coração» (Ef 5,19). Quem canta, reza duas vezes" (1156). "Quem canta, louva e ama", podíamos nós resumir o pensamento do Bispo de Hipona, que terá originado o célebre aforismo. O mesmo é dizer: quem canta para Deus, louva e ama a Deus. Reza duas vezes.
5. Deixemos, portanto, que a música sacra acompanhe a nossa oração — melhor: torne a oração dos nossos lábios mais intensa e verdadeira porque fruto do amor. Que a música nos ajude a abrir o nosso coração colocando-o, completamente disponível, diante do Senhor. Que a música nos ajude, também, a apresentar os nossos pedidos diante de Deus — que o mesmo é dizer: diante daquele que nos ama e a quem nós queremos amar sempre, cada vez mais.
+ Nuno, Bispo do Funchal