Homilia Te Deum

31-12-2024
Foto de Duarte Gomes
Foto de Duarte Gomes

TE DEUM DE FINAL DE ANO

Dia Mundial da Paz

Sé, 31 de dezembro de 2024

É possível ter esperança?

Uma vez mais nos reunimos, no fim de um ano civil, para dar graças a Deus pelos doze meses que deixámos atrás, e para implorar a bênção divina para o ano que iremos iniciar.

Todos sabemos que Deus não tem anos, nem inicia novos períodos: Ele, simplesmente, "é": é a vida, a justiça, o amor, a santidade. É por referência a Ele que percebemos as realidades que se lhe opõem: a morte, a injustiça, o ódio, o pecado.

Não somos nós que nos podemos tomar como medida de todas estas realidades: apenas Deus é o critério, o ponto de referência — mas também a fonte de onde jorra tudo o que nos pode conduzir à felicidade.

Não pode, portanto, espantar que, perante a consciência de necessitarmos de marcos na nossa vida temporal, nos coloquemos diante de Deus em jeito de exame de consciência, e lhe imploremos a sabedoria que nos ajude a reiniciar, com renovado ardor, este novo tempo que se abre à nossa existência.

Olhemos (mesmo que brevemente e de um modo muito geral) o mundo do Ocidente em que nos inserimos e vivemos: o ano que finda foi marcado pela instabilidade, a todos os níveis.

Há muito já que a sociedade ocidental vive sem rumo certo. Vivemos dominados por ideologias que procuram destruir o que somos, relativizando as conquistas humanas que atingimos. Ideologias que dizem que tudo é igual a tudo, muitas vezes usando vocabulário cristão mas conferindo-lhe um conteúdo bem diferente. Abraçámos um estilo de vida que tem como último critério o momento presente e os pequenos prazeres de que agora o "eu" é capaz, as suas conquistas e o seu bem-estar. Um estilo de vida que diz ser impossível a salvação e que, portanto, egoístas por natureza, estamos condenados a "sugar" o presente, a viver num contínuo "carpe diem".

E o grande motor deste estilo de vida tem sido a economia — ávida do lucro no presente e julgando que o dinheiro pode comprar tudo. A economia que se deveria assumir como o cuidado, a administração da casa comum (como nos afirma a sua raiz etimológica), tem-se, contraditoriamente, tornado num modo de domínio, colocando o amor do dinheiro acima de todos os valores, mesmo do próprio ser humano. Não espanta que, ao longo dos meses passados, muitos tenham visto os seus rendimentos reduzidos, tornando difícil (por vezes impossível) a sua vida e a vida das suas famílias.

Mesmo a política se tem feito eco da instabilidade do nosso mundo. Ela, que deveria cuidar do modo de viver na cidade. No Ocidente, a democracia tem sido fragilizada, instrumentalizada, tornando-se incapaz de reagir aos ataques de que é vítima.

A guerra, que era uma recordação longínqua (ou algo que marcava outros modos de vida mais distantes), regressou ao nosso presente e tornou-se numa interminável matança, destruidora não só dos lugares como do próprio ser da pessoa: serão necessários muito decénios para refazer o tecido destas sociedades que, nestes meses e anos, viveram conflitos armados.

Nem a Igreja tem escapado a este turbilhão. Nem a nossa região — integrada que está neste mundo ocidental.

Quase parece que não vivemos num inverno — a que, esperançosamente, se seguiria uma primavera — mas antes no caminho para um suicídio colectivo…

É claro que continua válida a admoestação de Santo Agostinho (que viveu durante as invasões bárbaras e viu cair Roma e a sua própria cidade de Hipona, atacada por uma anti-civilização, os "bárbaros"), segundo a qual os nossos tempos nos parecem maus simplesmente porque são os nossos, e somos nós a ter que assumir a responsabilidade de os conduzir e de os viver.

Mas podemos ter esperança?

2. O Jubileu que tivemos a graça de iniciar no passado domingo, grita por esperança.

Biblicamente, o jubileu era um tempo de regresso ao ponto de partida: as terras ficavam em pousio; as propriedades regressavam aos donos originais; o povo de Deus, reconhecendo o quanto se tinha afastado do seu Criador, pedia perdão e retomava o seu caminho.

Mas este regressar ao ponto inicial (tanto quanto isso é possível) só tem uma justificação: o caminho que ainda havemos de percorrer até Deus. Sim: a história — de cada ser humano e de todo o género humano —, longe de ser um beco sem saída, sem sentido, onde tudo é igual a tudo, é antes um caminho que havemos de percorrer até Deus. Criados por Deus, havemos também de encontrar nele a meta, a plenitude do nosso viver.

Por isso, a misericórdia, a indulgência que nos permite corrigir o mal realizado convida-nos sempre a olhar para o horizonte divino, a ganhar forças e decisão interior para o caminho: cada um de nós, toda a humanidade e toda a realidade criada, havemos de ser transformados em Cristo ressuscitado — por Ele, com Ele e nele.

E dessa novidade percebemos já a presença, ao nos darmos conta de que o Senhor Jesus se faz nosso companheiro de jornada, erguendo-nos quando caímos; alentado-nos quando as forças nos parecem faltar; tomando-nos sobre os seus ombros quando nos sentimos perdidos.

Possa o próximo ano de 2025 ser vivido na alegria da notícia jubilosa do nascimento do Salvador.

Que ele constitua uma oportunidade para, com a graça de Deus, iniciarmos a transformar em primavera este nosso inverno: mudando o que devemos mudar (em nós e à nossa volta), e acolhendo o convite divino que nos chama a peregrinar na esperança até à comunhão definitiva com o Pai.

+ Nuno, Bispo do Funchal