Homilia Solenidade do Sagrado Coração de Jesus 2025

27-06-2025

SOLENIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

Camacha, 27 de Junho de 2025

O Senhor é meu pastor, nada me faltará

1. Gostaria de começar esta homilia com as palavras do Papa Leão XIV no passado Domingo: "É bom estar com Jesus!" (Homilia, 22 Junho 2025). Ou, como cantávamos há pouco: "O Senhor é meu pastor, nada me faltará". E creio que, de verdade, este é o nosso primeiro sentimento ao celebrarmos, como presbitério diocesano, esta jornada de santificação dos sacerdotes — esta jornada pela nossa santificação!

O Senhor cuidou, cuida e cuidará de nós. De cada um e de todos. Como um pastor cuida o seu rebanho, assim nos ama o Senhor. E essa percepção não é um sonho que imaginámos para nosso conforto. É aquilo que cada um de nós experimentou concretamente no passado, em tantos acontecimentos ao longo da sua vida; é aquilo que experimenta neste momento, e que tem a certeza acontecerá, igualmente, no futuro, qualquer que ele seja.

Antes, acima, sobrepondo-se a tudo o resto — e mais importante que tudo —, existe o amor do Sagrado Coração de Jesus. Ele que se encontra no início do universo (é o Verbo pronunciado pelo Pai na criação) e no início da nossa história pessoal; ele, que havemos de encontrar no fim, quando cada um de nós se confrontar face a face com o Deus de amor, e toda a sua existência for por Ele iluminada; ele que julgará a história e o universo quando tudo o que existe nele encontrar a sua solução.

Amor que queremos nos ilumine e nos julgue; que nos conduza; que nos dê forças para continuarmos a caminhar, a lutar, a procurar torná-lo presente para que tantos outros se deixem também vencer por ele.

2. Foi na certeza deste amor pessoal e inabalável de Deus que cada um de nós teve a ousadia de abandonar tudo o resto e todas as seguranças humanas. Nesse dia, tal como sucedeu com S. Paulo, também cada um de nós percebeu que esse amor divino (e ele apenas) era suficiente: "Considero todas as coisas como perda, perante o bem supremo que é conhecer Cristo Jesus, o meu Senhor. Por Ele tudo perdi e considerei como lixo, para ganhar a Cristo e nele me encontrar (Filp 3,8-9).

O Sagrado Coração de Jesus foi e é a nossa inspiração, a nossa respiração, o nosso sustento, a nossa força, a certeza inabalável sobre a qual queremos continuar a edificar a nossa vida.

Foi Ele que nos quis e nos pensou; que conduziu a nossa história pessoal — por entre realidades boas e positivas mas, também, no meio de não poucos sofrimentos e derrotas, e mesmo desvios e infidelidades. Deus foi escrevendo connosco a nossa história, e por isso lhe estamos gratos, tão gratos! Se não fosse o seu amor a construir-nos, a ajudar-nos, que seria de nós, abandonados às forças cegas da natureza, ao egoísmo do mundo, ao acontecer que não dominamos?

Foi Ele que, um dia, nos chamou; foi Ele que nos consagrou como seus ministros para o serviço dos nossos e seus irmãos, da sua Igreja. Foi Ele quem nos fez experimentar o amor no seio da nossa família (a quem nunca agradeceremos o suficiente), que nos conduziu ao longo dos anos de formação no Seminário e ao longo do exercício do nosso ministério. É Ele quem hoje celebra a Eucaristia através das nossas mãos; é Ele quem anuncia a Palavra através da nossa boca; é Ele quem actua quando realizamos os gestos sacramentais.

2. Como podemos corresponder a estas maravilhas do amor divino? Que nos pede o amor? Pede, tão simplesmente, o nosso desejo sincero de sermos santos. A santidade é o nome que o nosso amor assume quando corresponde ao amor divino.

Deus bem conhece o barro frágil com que nos criou e as impurezas que o pecado persiste em colocar na nossa vida; conhece a nossa tibieza, as nossas incapacidades e contemporizações. E, mesmo assim, não desiste de cada um de nós e de todos.

Mas que significa esse apelo de santidade? Significa, em primeiro lugar e antes de tudo, uma disponibilidade para nos colocarmos na sua dependência. Não tenhamos medo de depender de Deus. Todas as dependências (afectivas, materiais, mesmo espirituais…) nos devem assustar. Mas não esta dependência de Deus. Antes: o orgulho é aquele pecado em que achamos podermos passar sem Deus; em que achamos já tudo saber e de tudo sermos capazes; é aquele pecado em que cada um se torna Deus para si e mesmo para os outros.

Por isso, o Senhor pede-nos, desde o início, que O escutemos. Ele continua a falar-nos, a dirigir-nos a sua palavra, a interpelar-nos. Poderão, certamente, existir aqueles momentos de deserto e de aridez, em que parece que o Senhor emudeceu ou desviou de nós o seu olhar. Quando tal suceder, tenhamos a certeza de que, certamente, fomos nós a abandoná-lo. E, mesmo que Ele tenha, por algum momento, feito silêncio das suas palavras, saibamos que é simplesmente para nos fazer caminhar e crescer no seu conhecimento.

Mas o Senhor pede, também, a nossa vontade. Pede que ela se deixe moldar, formar. Sim, não basta escutar. É, também, preciso querer. E é preciso que o nosso querer se deixe moldar por aquele amor primeiro e último. Queremos amar como o Senhor. Queremos aquilo que Deus quer — e quando tal acontece, sabemos que temos tudo quanto queremos, como dizia S. Afonso Maria de Ligório.

É que o amor é um querer que se dispõe a fazer o bem à pessoa amada. Dispomos tudo o que depende de nós para esse amor. "Querer" significa colocar o que somos, o que fazemos, o que sonhamos, no seio daquilo a que S. Paulo chamava a "obediência da fé": queremos sentir, ver, pensar, falar, caminhar, agir como Jesus e a partir dele. Queremos ser um com Ele e mostrar a sua presença.

Mas sabemos que, para nós sacerdotes, a santidade significa, também (e de um modo essencial), cuidar dos irmãos. Apascentar aquelas que são as ovelhas do seu rebanho e que Ele nos entrega, que Ele confia ao nosso cuidado. Foi assim com Pedro (até mesmo para o fazer perdoar-se a traição cometida dias antes): "Pedro, amas-me mais que estes? Apascenta as minhas ovelhas".

E significa, dum modo muito particular, cuidarmos uns dos outros, como presbitério. Significa não tanto agirmos como classe mas como irmãos, corresponsáveis uns pelos outros e por todos. Significa sermos bons uns para os outros. Significa valorizarmos o bem que o outro faz e procurar esquecer os erros que porventura tenha cometido — e querer perdoá-los!

E significa, ainda e finalmente, dispormo-nos ao caminho, sempre peregrinos de esperança. Hoje, agora, com a força e o amor do Sagrado Coração de Jesus!

+ Nuno, Bispo do Funchal