Homilia Solenidade da Assunção de Nossa Senhora

SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE NOSSA
SENHORA
Paróquia de Nossa Senhora do Monte
15 de agosto de 2025
Por mais que possa parecer
Eu nunca vou pertencer àquela cidade
O mar de gente, o sol diferente
O monte de betão não me provoca nada
Não me convoca casa
1. Com a sua canção "Deslocado", os NAPA fizeram-se eco do modo como, numa grande metrópole, os jovens madeirenses se sentem "fora de casa". Ao contrário, na Ilha sentimo-nos em casa — esse lugar onde vivemos, onde somos quem somos, sem necessidade de parecer nada mais senão o que somos; onde tudo nos é familiar; onde conhecemos e somos conhecidos; onde nos encontramos em segurança.
Contudo, com o andar dos anos, o sentimento de "deslocado" — inicialmente, causado pelo monte de betão, pelo mar de gente, pelo sol diferente — acaba, também, por nos invadir onde quer que estejamos, mesmo na Ilha: nós, seres humanos, trazemos connosco uma sede de infinito, uma sede de Deus que nos torna sempre insatisfeitos, e que nos provoca um querer ir mais além.
Já não nos basta o que temos e o que somos, o que conseguimos. Percebemos que, neste mundo, viveremos sempre como estrangeiros, fora de casa, deslocados. Há em nós uma sede de infinito, não raras vezes provocada pela arte e pela beleza que nos cercam, mas, muitas outras vezes (demasiadas), provocada também pela tristeza e sofrimento que vivemos ou que partilhamos com aqueles que vivem ao nosso lado. Apenas Deus é capaz de satisfazer esse nosso anseio de "casa".
2. Contudo, neste santuário de Nossa Senhora do Monte sentimo-nos em casa. Ao contrário do que sucede lá fora, aqui, nesta "casa da Mãe" que intercede por nós, que tem acompanhado os madeirenses ao longo dos séculos, que partilha a nossa vida, aqui sentimo-nos em casa: na casa da Senhora do Monte estamos, também nós, em nossa casa.
A invocação de Nossa Senhora do Monte nasceu assim: como resposta àquilo que os nossos antepassados perceberam ser a iniciativa de Deus e de Sua Mãe, que se quiseram fazer encontrados pelos madeirenses, praticamente desde o início do povoamento — uma resposta do coração, que foi crescendo ao longo dos séculos e que permanece.
De facto, Nossa Senhora do Monte foi acompanhando, como penhor de protecção, os habitantes da nossa Ilha — aqui e nos seus muitos destinos, de emigração ou até nas campanhas militares. Sim, junto da Senhora do Monte, o nosso coração bate como em casa, deixamos de nos sentir deslocados.
3. É que, desde o início, Nossa Senhora é invocada pelos cristãos como o "Templo de Deus", "Arca da Aliança" — que o mesmo é dizer: como "casa" que nos faz sentir, perceber verdadeiramente vivos e nascidos para a vida, amados por Deus. Junto dela, sentimos que quase tocamos o Céu, ainda que permaneçamos peregrinos nesta terra.
A vida de Nossa Senhora é, toda ela, tecida por este acolhimento do Verbo divino que é Jesus. Como recordava Santo Agostinho: "Cristo é acreditado, e a fé é concebida; foi primeiro o advento da fé no coração da Virgem e, depois, a fecundidade no ventre da Mãe" (Serm. 293,1). Quer dizer: pela fé, Maria acolheu primeiro a Palavra; depois, com o consentimento ao anúncio do Anjo, Cristo foi concebido no seu ventre.
Maria torna-se, deste modo, a verdadeira e encontrada "Arca da Aliança". Assim o canta, por exemplo, S. Atanásio de Alexandria: "Ó nobre virgem, tu és verdadeiramente maior que qualquer outra grandeza. Pois quem pode igualar a tua grandeza, ó habitação do Verbo de Deus? Ó Arca da nova aliança, revestida, não de ouro, mas de pureza! Tu és a Arca onde se encontra o vaso de ouro que contém o verdadeiro maná, a carne na qual reside a divindade" (Homilia do Papiro de Turim). É na Virgem Maria que Deus encontra a sua casa no meio de nós. É Maria quem O transporta, como escutámos na leitura do Evangelho.
Maria é pois a Arca da Nova Aliança que hoje celebramos subida ao Céu — que o mesmo é dizer: chamada a partilhar da glória de seu Filho. José, o Hinógrafo, cantava: "A casa que contém Aquele que tudo contém, sobe, pomba puríssima, a habitar no Céu, depois de se ter mostrado o próprio Céu, o trono de Cristo e o seu grande palácio" (Cânone, Ode VI).
Ou seja: em Maria, o próprio Deus sente-se em casa. É por isso que, junto dela, nos sentimos, também nós, em casa — nós que temos sede de Deus; nós que nos sentimos "deslocados" neste mundo. E o que é mais: hoje, ao contemplarmos a Assunção da Virgem, é-nos dito que, também nós, temos uma casa que nos aguarda no Céu. Tal como Maria, também a nós o Céu nos convoca para si.
Neste mundo em que vivemos, teremos todas as razões para nos sentir deslocados. Nossa Senhora do Monte diz-nos hoje, tal como fez aos nossos antepassados, que, junto dela, nos sentiremos sempre em casa.
Como Santa Isabel e S. Zacarias; como S. João Baptista e como o discípulo amado, S. João Evangelista, acolhamos, também nós, a Virgem Maria em nossa casa — na nossa vida, no nosso coração.
"Mãe, olha à janela, que eu 'tou a chegar a casa"!
+ Nuno, Bispo do Funchal