Homilia Solenidade da Ascensão do Senhor (Peregrinação a Wiltz)

SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR
Peregrinação a Wiltz (Luxemburgo)
29 de maio de 2025
Sereis minhas testemunhas
"Sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria e até aos confins da terra".
1. Depois da ressurreição, Jesus apareceu aos discípulos e, durante 40 dias, ensinou-lhes a viver como cristãos com a sua Presença ressuscitada. Era um outro modo de estar no meio deles, que os discípulos até então não conheciam. Mas era o modo como haviam de viver, eles e todos os outros cristãos, até ao final dos tempos.
Por fim, terminado o ensinamento, o próprio Jesus se elevou ao Céu, como escutámos na Iª Leitura e no Evangelho, colocando à direita do Pai a nossa natureza humana — aquela que, unida à sua natureza divina, o distinguia desde o momento da sua encarnação no seio da Virgem Maria. Verdadeiro Deus e verdadeiro homem, ao regressar para junto do Pai, leva também consigo a nossa natureza humana. Verdadeiramente trata-se não só da exaltação de Deus como também da exaltação do ser humano: a que podemos nós aspirar de mais alto que esta possibilidade que nos é de oferecida de, com Jesus, unidos a Ele, vivermos para sempre contemplando o Pai, à direita da divina majestade?
Mas o Senhor, longe de nos convidar a ficarmos com o olhar preso no Céu e nestas realidades (ainda que enormes, essenciais para a nossa vida), convida-nos também a viver nesta terra: "Estando de olhar fito no Céu, enquanto Jesus Se afastava, apresentaram-se-lhes dois homens vestidos de branco, que disseram: «Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu? Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu, virá do mesmo modo que O vistes ir para o Céu»".
Isso mesmo tinha Jesus convidado os seus discípulos momentos antes: "Recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria e até aos confins da terra".
"Até aos confins da terra": que significa isso? Na mesma situação, o evangelho de S. Mateus diz: "Jesus aproximou-se e falou-lhes, dizendo: «Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Ide, fazei discípulos todos os povos, batizando-os no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar tudo quanto vos mandei. Eu estou convosco todos os dias, até ao fim dos tempos»" (Mt 28, 18-20).
Podemos dizer que nos encontramos aqui perante dois confins: o temporal ("até ao fim dos tempos") e o espacial ("até aos confins da terra"). A mim que sou de Lisboa, não pode deixar de fazer tremer o facto de que esta promessa do Senhor — a promessa da sua presença entre nós, mesmo no último lugar conhecido, significou para os primeiros discípulos, a tarefa de se dirigir à cidade de Lisboa, última cidade portuária conhecida dos homens do Mediterrâneo naquele tempo.
Mas, séculos depois, essa mesma promessa significou a necessidade de ir mais longe, de levar o Evangelho até às Américas e até às Índias, China, Japão, Austrália… E significa, para nós hoje, que aqui nos reunimos a celebrar a Ascensão do Senhor, a necessidade de O levar ao coração daqueles que ainda hoje não O conhecem — seja porque ninguém lhes falou de Jesus (e penso em tantos migrantes que hoje batem às portas da Europa, sem nunca terem escutado o nome do Senhor), seja porque, apesar de viverem na Europa e até de, em crianças, terem frequentado a catequese ou as aulas de religião, de facto se afastaram de Jesus e vivem hoje como se Ele não estivesse presente, connosco, ressuscitado!
3. Para essa missão, contamos com a força do Espírito Santo que o Senhor nos dá. É o Espírito Santo que transforma o nosso olhar, que o purifica da visão distorcida que o pecado nos impõe, e que nos permite perceber a presença do Ressuscitado ao nosso lado, no meio das nossas comunidades, da nossa família, no exercício da nossa profissão e mesmo dos nossos tempos de lazer.
Sim: o Espírito Santo é o Espírito de Jesus ressuscitado. Ao acolhê-lo, acolhemos de verdade o amor de Jesus que nos permite olhar, escutar, falar, amar de modo diferente. Ignace Hazim, Patriarca de Antioquia, disse um dia acerca do Espírito Santo:
Sans l'Esprit saint,
Dieu est un être lointain,
Le Christ reste une figure du passé,
L'Évangile un écrit inerte,
L'Église une simple organisation,
L'autorité une domination,
La mission une propagande,
Le culte, l'évocation d'un souvenir,
L'acte chrétien, une morale d'esclave.
Mais avec le Saint-Esprit et en lui,
L'univers est relevé et attend la venue du
Royaume de Dieu,
Le Christ ressuscité est là,
L'Évangile est source de vie et de
force,
L'Église est communion en la sainte
Trinité,
L'autorité un service qui rend libre,
La mission, une Pentecôte,
La liturgie est mémorial,
actualisation et anticipation du mystère,
La prière personnelle manifeste la présence du Christ
vivant en l'âme.
4. Mas que significa ser testemunha de Jesus ressuscitado? A geologia diz-nos que o testemunho é um pedaço de terra, uma "amostra" que é retirada do solo. O desporto (corrida de estafetas) diz-nos que o testemunho é algo que um atleta entrega a outro e lhe permite correr o troço da pista que lhe corresponde. A administração diz-nos que testemunha é alguém que assegura que um facto teve lugar. O direito afirma que testemunha é alguém que entre dois contendores, atesta ao juiz o modo como um facto ocorreu.
Como na geologia, somos testemunhas de Jesus porque somos parte dos seus discípulos, membros da sua Igreja santa e feita de pecadores, que caminha em direção ao Céu. Como na corrida de estafetas, somos testemunhas porque queremos entregar às gerações que vêm depois de nós a felicidade da fé, a felicidade de vivermos com Jesus, de contarmos com Ele em cada momento da nossa vida. Como sucede na administração, também nós atestamos que Cristo está no meio de nós, na nossa vida. Como no tribunal, somos testemunhas porque, como os mártires dos primeiros tempos e dos nossos dias, também nós atestamos diante dos que não têm fé (poderosos ou simples seres humanos) e também diante daqueles que vivem a fé — porque também cada um de nós precisa de testemunhas, tão grande é a graça de viver com o Senhor — também nós atestamos, por palavras e obras, a verdade da fé que recebemos dos Apóstolos. E estamos dispostos a fazê-lo com toda a nossa vida, entregando-a diante da realidade maior que é a vida com Deus.
5. Nesta tarefa, somos acompanhados pela Virgem Maria. Desde que recebeu de Jesus, na cruz, a missão de ser mãe dos cristãos, Nossa Senhora não deixou jamais de manifestar o seu testemunho e a sua companhia. Foi assim no Pentecostes, quando orava juntamente com os discípulos, e foi assim em tantas outras situações, desde os primeiros tempos do cristianismo até aos nossos dias: desde Nossa Senhora do Pilar, em Espanha, no ano 40, passando por Roma, Cambridge, Caravaggio, México, Kazam na Rússia, Aparecida no Brasil, Lourdes, Fátima, Donglu na China, ou Wiltz no Luxemburgo, aqui onde nos encontramos. E tantos, tantos outros lugares… e tantas, tantas outras situações!
A todos Nossa Senhora ensina a viver o Evangelho e do Evangelho; a todos chama à docilidade ao Espírito Santo; a todos chama à conversão; a todos aponta Jesus e mostra como Deus nos acompanha, nos abençoa e a todos procura para conduzir até Si.
Deixemo-nos tocar, irmãos, por este apelo da Virgem Maria, que coincide com o mandamento do Senhor, aos Doze que o acompanhavam e a todos nós: " Recebereis a força do Espírito Santo […] e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria e até aos confins da terra".
+ Nuno, Bispo do Funchal