Homilia Senhor dos Milagres

SENHOR JESUS DOS MILAGRES
Machico, 8 de Outubro de 2025
"Quem nos poderá separar do amor de Deus?"
1. Hoje, ao findar deste dia, e depois da procissão sempre tocante em que o Senhor dos Milagres percorre o centro desta cidade, queremos olhar, dum modo muito especial, para a Cruz de Jesus.
Na cruz, não contemplamos apenas um morto, ainda que ele fosse o melhor de todos nós, o exemplar mais perfeito de humanidade que alguma vez pudéssemos encontrar. Na Cruz, contemplamos Deus que sofre a nossa morte. Na cruz, percebemos quanto cada um de nós é importante para Deus — tão importante que Ele não hesita em fazer-Se um de nós e mesmo em sofrer a morte dos condenados, para nos oferecer a sua vida.
Na cruz, descobrimos, deste modo, o ponto mais alto a que pode chegar o amor. Como afirma S. João, na sua Primeira Carta: "Nisto consiste o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o seu Filho único ao mundo, para que vivamos por Ele" (1Jo 4,10). O Deus que é amor manifesta-se, deste modo, na Cruz de Jesus, ao identificar-se com a morte de todos: a nossa morte e, até, a morte dos condenados.
O amor manifestado na Cruz de Jesus vai bem mais longe que qualquer gesto de amor humano. Bem mais longe que o amor dos voluntários que oferecem as suas horas em favor do próximo; bem mais longe que a amizade; bem mais longe que o amor dum homem e de uma mulher; bem mais longe que o amor dos filhos pelos pais ou dos pais pelos filhos; bem mais longe que a dedicação de alguém que ofereça a sua vida em substituição de outro ou de toda a cidade. Todas estas manifestações do amor não passam de imagens pequenas, diante da cruz do Senhor. O próprio Jesus afirmou de si: "Ninguém tem maior amor que aquele que dá a vida pelos amigos; e Eu chamei-vos amigos".
2. Perante a grandiosidade do amor de Deus por nós — por cada um de nós e pelo mundo inteiro, de todos os tempos, raças e nações — não podemos deixar de nos sentir reconhecidos. Mas não podemos, ao mesmo tempo, deixar de nos sentir culpados.
Quanto nos falta ainda, a cada um de nós e a todos — a toda a humanidade — para nos identificarmos com esse amor manifestado na Cruz do Senhor! Diante da sua claridade, como ainda é escuro e mau o nosso coração! Diante da lógica desse amor divino, como são estreitos os nossos pensamentos! Perante a "Palavra da Cruz" que Deus pronuncia, como as nossas palavras não passam de balbucios! Diante do agir de Deus em nosso favor e em favor de toda a humanidade, como as nossas acções são estreitas, limitadas.
Por muito que nos esforcemos; por muito que empenhemos a nossa vontade; por muito que a nossa penitência tente extirpar o pecado que nos habita, o que fazemos e o que vivemos ficará sempre aquém do amor. Por nós, jamais seremos incapazes de o imitar. Como dizemos em português popular: "não lhe chegamos, nem aos calcanhares!".
E não só. Como é verdadeiro, também em nós, o drama de S. Paulo: "O bem que quero fazer não faço, mas o mal que não quero fazer, esse pratico" (Rom 7,19). Diante do Amor manifestado na Cruz, percebemos a nossa falta de amor, o nosso pecado.
3. É por isso que, não raras vezes, temos a tentação de desistir. Se não somos capazes, para quê dar-nos ao trabalho? Não será melhor conformar-nos com as nossas incapacidades?
São Pedro diz: "Cristo sofreu de uma vez para sempre pelos nossos pecados, o Justo pelos injustos, para nos conduzir a Deus" (1Ped 3,18). E S. Paulo:
"Se Deus é por nós, quem estará contra nós? Ele, que não poupou o seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não haverá de nos conceder, juntamente com Ele, todas as coisas? Quem poderá acusar os eleitos de Deus? É Deus quem justifica! Quem os poderá condenar? Cristo Jesus, que morreu e, mais ainda, que ressuscitou, está sentado à direita de Deus e intercede por nós? Quem nos poderá separar do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, ou a espada? […] Em tudo isto somos mais que vencedores, graças Àquele que nos amou. De facto, estou certo de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem as coisas presentes nem as que estão para vir, nem as potestades, nem a altura nem a profundidade, nem qualquer outra criatura, nos poderá separar do amor de Deus que se manifestou em Cristo Jesus nosso Senhor" (Rom 8,31-39).
Olhamos para a cruz e percebemos que, apesar de sermos pecadores e frágeis, Deus está ao nosso lado, luta por nós e connosco. Por isso, ficamos cheios de esperança. Por isso, continuamos com vontade de caminhar. Por isso, não desistimos.
Em nós, em cada um de nós, o amor de Deus pode fazer grandes coisas, tal como sucedeu com os santos. Também eles eram frágeis e pecadores. Mas deixaram-se envolver, vencer, pelo amor de Deus, manifestado em Cristo. Peçamos, também para nós, essa graça.
+ Nuno, Bispo do Funchal