Homilia Pastores Falecidos da Igreja do Funchal

04-11-2024
Foto de Duarte Gomes
Foto de Duarte Gomes

COMEMORAÇÃO DOS PASTORES

DA IGREJA DO FUNCHAL JÁ FALECIDOS

Sé do Funchal, 4 de novembro de 2024

"Para ganhar a Cristo e nele ser achado"

1. Hoje, junto do altar do Senhor, fazemos memória dos pastores da Igreja do Funchal já falecidos. Fazemos memória dos bispos e dos sacerdotes — de quantos a serviram, nestes mais de 500 anos da sua existência.

Deixai, no entanto, que de entre eles, faça particular menção dos bispos que se encontram sepultados nesta que, um dia, foi a sua catedral: D. Luís de Figueiredo de Lemos (bispo do Funchal de 1585 a 1608); D. Fr. António Teles da Silva (bispo do Funchal de 1674 a 1682); D. Aires d'Ornelas de Vasconcelos (madeirense, baptizado e ordenado presbítero nesta mesma Sé, da qual foi também Deão do Cabido e, depois, bispo de 1872 a 1874; e que, apesar de ter falecido em Lisboa, quis repousar nesta sua Catedral); e, por fim, D. Francisco Santana (bispo do Funchal de 1974 a 1982), de quem este ano já celebrámos os 50 anos da ordenação episcopal bem como o centenário do nascimento, e que, agora, repousa na cripta do presbitério.

Mas hoje, queremos também fazer particular memória do Senhor D. Estêvão de Alencastre. Este bispo portosantense nasceu fez ontem 184 anos, e recebeu a ordenação episcopal fez 100 anos no passado dia 24 de agosto. Em tenra idade, emigrou com seus pais e outros portosantenses e madeirenses para o Hawai. Ordenado sacerdote em 1902 como membro da Congregação dos Padres dos Sagrados Corações, destacou-se de tal modo no trabalho pastoral que foi escolhido para ser bispo coadjutor e depois Vigário Apostólico daquelas Ilhas americanas. Foi o primeiro bispo surgido do clero havaiano. Coube aliás a D. Estêvão Alencastre a tarefa de preparar o Hawai para ser Diocese, dotando-a de várias estruturas paroquiais, de escolas, de Seminário (que, em sua honra, recebeu como patrono S. Estêvão) e das demais instituições diocesanas. De facto, quando D. Estêvão de Alencastre faleceu, em 9 de novembro de 1940, o Hawai encontrava-se preparado para se tornar uma Diocese, o que veio a suceder em 25 de janeiro de 1941.

Ao Senhor da Vida, pedimos que a todos acolha no seu Reino de Vida Eterna.

2. Na primeira leitura de hoje [Filp 3,7-15], S. Paulo confessava aos cristãos de Filipos a meta da sua vida cristã: "Tudo perdi e considero esterco, a fim de ganhar a Cristo e nele ser achado".

Paulo, perseguidor dos cristãos, a partir do momento em que foi alcançado por Jesus ressuscitado no caminho de Damasco, encontra um único e grande objectivo para a sua existência: atingir, também ele, a ressurreição; estar para sempre com Cristo ressuscitado.

Paulo jamais esquecerá a sua vida anterior: a sua actividade como perseguidor da Igreja irá acompanhá-lo e pesar-lhe para sempre. Contudo, do seu encontro com Cristo ressuscitado no caminho de Damasco surgiu um homem novo. E todo o seu entusiasmo, todo o seu fervor no serviço ao único Deus verdadeiro (por ele já anteriormente vivido), vê-se agora concretizado e direccionado para este fim: a identificação total e perfeita com o Ressuscitado.

Paulo tem consciência de que não foram as suas qualidades humanas que justificaram a escolha do Senhor; nem sequer o seu fervor religioso. Paulo sabe e confessa-o: apenas a misericórdia de Deus, capaz de ultrapassar e vencer todos os pecados — apenas esse amor infinito e imerecido de Deus fez com que o Senhor procurasse aquele jovem fariseu, nascido em Tarso, da tribo de Benjamim e aluno da escola de Gamaliel, e lhe confiasse a missão de conduzir a multidão dos pagãos à obediência da fé.

Ao longo da sua actividade apostólica, Paulo irá encontrar, nas muitas cidades por onde passou e anunciou o Evangelho, muitos outros cristãos. Basta ler o final da Carta aos Romanos [Rom 16] para nos darmos conta da quantidade de cristãos seus conhecidos e que, por qualquer razão, já se encontravam em Roma. No entanto, todos eles, apesar de serem cristãos exemplares, de partilharem o ardor da vida em Cristo, de servirem a comunidade com os seus bens, não tinham recebido o ministério da paternidade, o ministério de "gerar em Cristo": "Ainda que tivésseis dez mil pedagogos em Cristo, não tereis muitos pais, porque fui eu que vos gerei em Cristo Jesus, pelo Evangelho", dirá Paulo noutra ocasião (1Cor 4,15).

Podemos, pois, dizer que a vida do Apóstolo se desenvolve em duas dimensões que, longe de serem concorrentes ou paralelas, se unem numa perfeita harmonia: por um lado, Paulo quer conhecer a Cristo e identificar-se com Ele; por outro, não pode parar nem esmorecer no anúncio do Evangelho, porque essa é a sua vocação: é um verdadeiro serviço a Deus e aos homens, que necessitam de conhecer, também eles, o Salvador.

O próprio Apóstolo confessa estas duas dimensões essenciais da sua existência, e como elas podem entrar em conflito: "Para mim viver é Cristo, e morrer é lucro. Mas, se eu continuar vivendo, poderei ainda fazer algum trabalho. Então não sei o que devo escolher. Estou cercado pelos dois lados, pois quero muito deixar esta vida e estar com Cristo, o que é bem melhor. Porém, por vossa causa, é muito mais necessário que eu continue a viver" (Filp 1,21).

3. Sim: a uns, o Senhor pede que constituam família; a outros que se dediquem plenamente à oração; a outros ainda, que se entreguem, de acordo com os dons do Espírito, ao ensino, ao serviço da saúde, dos mais necessitados, e em tantos outros lugares onde são chamados a testemunhar e anunciar o Reino.

Mas, a outros, o Senhor pede que sejam pastores do seu povo. Que ajudem os seus irmãos a caminhar em direcção à Vida Eterna; que para eles e com eles celebrem a Eucaristia; que, em seu nome, perdoem os pecados, dando-lhes a possibilidade de retomar o percurso da vida nova que receberam no momento do seu baptismo; que unjam os doentes, de forma a que o seu sofrimento se associe claramente à cruz de Cristo; que anunciem e expliquem a palavra. Ou seja: que desempenhem, na comunidade cristã, o lugar que cabe ao Pai. Essa é, em grande parte, e de um modo essencial, a tarefa daqueles que exercem o ministério sacerdotal.

Hoje, damos graças a Deus pela vida e pelo ministério dos pastores que Ele fez surgir nesta e para esta nossa Igreja Diocesana e que já faleceram. Pedimos ao Senhor que lhes dê a recompensa dos bons e fiéis servidores.

Mas, nesta semana dos seminários, pedimos-lhe que confirme na sua vocação os nossos seminaristas e os faça crescer em número e em santidade.

E a nós, pedimos que nos dê a graça de O conhecermos em cada dia mais e melhor, porque, frente à maravilha do conhecimento de Cristo Jesus, tudo o resto é perda.

+ Nuno, Bispo do Funchal