Homilia no Dia dos Consagrados

03-02-2021

DIA DO CONSAGRADO

Sé do Funchal, 2 de Fevereiro 2021


"Esperava a consolação de Israel"

1. Celebramos a festa da Apresentação do Senhor no Templo: Jesus é levado ao Templo de Jerusalém em cumprimento de quanto estava determinado. Ao olhar desapercebido, Maria e José cumprem simplesmente uma determinação da Lei de Moisés relativa ao filho primogénito. Mas, de facto, aquilo que acontece é o encontro entre o Messias e o seu Templo: Deus vem ao encontro do seu povo; a Nova Aliança encontra e revela a plenitude de sentido do Antigo Testamento.

Nesta narração, o velho Simeão personifica o Antigo Testamento que reconhece o Messias esperado. Em Simeão, concentra-se toda a história do Povo de Deus. Este é o momento que os santos reis e profetas, sábios ou simples homens do povo esperaram ou (quando muito) viram de longe; é o momento que condensa todos os séculos da história de Israel e lhes dá sentido: a glória de Deus preenche o seu Templo; o Messias toma posse do que é seu; a espera dá lugar à realização; a história encontra o seu centro: nos seus braços de velho, Simeão acolhe o Messias, a vida nova, a plenitude da vida humana.

2. Uma série de características indicam-nos como Simeão personifica todo o Antigo Testamento. Desde logo, o seu nome: "Simeão", "aquele que escuta". E essa é a primeira atitude pedida por Deus a Israel (Jer 7,22-23).

S. Lucas diz-nos que Simeão era "justo e piedoso". Era "justo" (δίκαιος), quer dizer: recto aos olhos de Deus. Procurava conformar o seu agir de homem com o agir divino. Usando palavras do Novo Testamento, devemos dizer que Simeão "escutava a palavra de Deus e a punha em prática" (Mt 7,24).

E era piedoso (εὐλαβής) - à letra: "aquele que apreende tudo quanto é bom". O mesmo é dizer: aquele que se agarra a Deus. Na clássica tradição latina, a piedade é a qualidade daquele que cumpre os seus deveres para com os seus pais e família - o que, depois, se estendeu facilmente aos deveres para com Deus.

Simeão: o homem que escuta, que pratica a justiça e que vive com Deus. Aquele velho era pois um resumo vivo de toda a Lei e dos profetas - que o mesmo é dizer: de toda a Escritura, de toda a Aliança (Mt 22,39).

Era este homem justo e piedoso que "esperava a consolação de Israel". Juntamente com a fé, "esperar" é a atitude que melhor caracteriza o povo do Antigo Testamento, o motor da sua história: quem aceita o desafio de viver com Deus, não pode deixar de perceber como o presente fica sempre aquém da felicidade a que o Senhor constantemente nos chama. Por muito que nos esforcemos, a comunhão com Deus é, neste mundo e na história, sempre uma realidade pequena e marcada pelo transitório, pela fragilidade e pelo pecado humano. E, no entanto, a nós, seres humanos, não basta o pouco que conseguimos: precisamos da plenitude do todo. Precisamos da plenitude da vida com Deus.

Trazemos connosco o apelo da plenitude, mas por nós mesmos somos apenas capazes de construir uma pequena parte, o imperfeito, o transitório. Não nos admiremos pois que, para quem não acredita, a esperança pareça condenada a desaparecer. E, com ela, também a fidelidade - porque apenas a esperança é capaz de alimentar uma vida fiel.

Alimentados pelos sinais do agir divino na história - que fazem surgir a fé no coração humano, como nos recorda a Carta aos Hebreus (Heb 11) -muitos foram os homens e mulheres do Antigo Testamento que esperaram contra toda a esperança (cf. Rom 4,8). Mesmo no seio do mundo que lhe é contrário, o povo de Israel espera: persiste em olhar o horizonte e esperar o Messias, aguardando que as promessas de Deus se realizem e o Messias salvador reconstrua, finalmente, o seu povo.

Não espera como quem vive alienado, mas como quem aguarda uma realidade certa, mesmo que não saiba o quando e o onde da sua realização.

Surpreendemos ainda hoje esta atitude no rito da Ceia Pascal judaica, quando se canta o célebre "dayenu": "Ainda que só nos tivesse retirado do Egipto e não os tivesse julgado, Dayenu!" (Isso nos teria bastado para continuarmos a esperar!).

3. Por isso, representante da Antiga Aliança, Simeão esperava. Guiado pelo Espírito Santo, esperava que Deus cumprisse finalmente a promessa feita a David. Toda a sua vida tinha sido alimentada pela esperança. E eis que agora, passados todos aqueles anos, já perto da morte, os seus olhos vêem cumpridas as promessas. O Messias, o Cristo Salvador ali estava, tão concreto que o pôde receber nos braços.

Se se tivesse esquecido de Deus, tudo teria aconselhado a que não olhasse o horizonte. Ter-se-ia visto condenado a viver apenas cada momento, retirando dele o máximo possível de fruição e de prazer, esquecendo, definitivamente, o dia de amanhã. Assim tinha sucedido aos seus antepassados no sopé do Monte Sinai, quando se cansaram de esperar por Moisés e decidiram construir um bezerro de oiro para adorar (Ex 32,1-6). Assim sucede, aliás, com tantos nossos contemporâneos que deixam de colocar os olhos na vida eterna, para trocar a promessa da plenitude pelo concreto do momento, pelo aqui e agora frágil, angusto, pouco, sufocando o apelo da eternidade, da plenitude.

Mas eis que, já no fim da vida, a fidelidade de Simeão vê o seu fruto: os seus velhos braços acolhem o Messias esperado. O Apóstolo S. João haveria, tempos depois, de usar outras palavras para expressar este mesmo sentimento: "O que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e tocamos com nossas mãos acerca do Verbo da Vida [...], isso vos damos a conhecer" (1Jo 1,1.3). O Messias ali estava: era o Menino do Presépio; era Deus que tinha descido à nossa condição humana para, por meio do caminho da cruz, oferecer a todos a realização da promessa, o cumprimento dos desejos mais profundos de todo e qualquer ser humano: a vida eterna.

4. A festa da Apresentação do Senhor (quando Jesus manifesta toda a sua existência como "consagrada ao Pai") é, de há 24 anos a esta parte, vivida por toda a Igreja como uma jornada de oração e agradecimento pela Vida Consagrada. Queremos, também nós, Diocese do Funchal, agradecer ao Pai a vida de tantos que (hoje como em toda a nossa história) são, por meio da sua consagração à vida dos conselhos evangélicos da pobreza, obediência e castidade, presença concreta do Reino.

Fiéis e felizes, os consagrados são sinal concreto que alimenta em nós a esperança - aquela virtude que apenas Deus pode colocar nos nossos corações e que, tantas vezes, o mundo contemporâneo recusa.

Para quem não possui outro horizonte senão o aqui e agora deste mundo, é muito difícil compreender a esperança e, com ela, a consagração, quer dizer: a entrega total ao serviço de Deus, de modo a que toda a existência seja sinal de uma plenitude que não é possível atingir neste nosso mundo, mas da qual, já podemos e devemos viver.

Sem outro horizonte de vida, sem a capacidade que a fé nos oferece de olhar mais longe, sem o horizonte de Deus, vemo-nos desesperados, inconstantes, inseguros. Resta-nos apenas o aqui e agora: o pouco que possuímos no momento, elevado à condição de ídolo, de substituto de um Deus a quem recusamos abrir as portas do coração.

Sem esperança e, por isso, sem fidelidade. Sem fidelidade e, por isso, sem felicidade - o mesmo é dizer: condenados às pequenas e pontuais satisfações do prazer momentâneo, sem nada que unifique, que dê sentido a uma existência.

"Fiéis e felizes?" - interroga o lema da Jornada de hoje. E todos, certamente, queremos responder: felizes porque fiéis; fiéis porque animados pela esperança que nos oferece a presença do Salvador, bem junto a nós, em nós mesmos. Fiéis porque certos do horizonte de vida eterna em que já vivemos, mas que se tornará plenitude quando contemplarmos Deus face a face.

Fiéis e felizes como o velho Simeão que, ao acolher nos braços o Messias esperado, pôde exclamar: "os meus olhos viram a salvação que oferecestes a todos os povos; luz para se revelar às nações, e glória de Israel, vosso povo".

+ Nuno, Bispo do Funchal