Homilia Imaculada Conceição

IMACULADA CONCEIÇÃO
Sé do Funchal, 08 de dezembro de 2025
1. Moisés tinha pedido a Deus que lhe fizesse ver a sua glória. Não era simples curiosidade mas necessidade de se encontrar com o próprio Senhor. Contudo, Deus respondeu-lhe que ninguém poderia ver o seu rosto e continuar vivo (cf. Ex 33,20). Mesmo assim, ao passar por Moisés, iria tapar-lhe os olhos com a mão, e permitir a Moisés que visse as suas costas.
Porquê esta proibição? Não era, certamente, com o objectivo de instaurar um clima de terror para com o seu Povo. A proibição é motivada antes pelas incapacidades humanas: o homem pecador não seria capaz de se aguentar vivo diante do Deus santo sem que a sua existência se esfumasse, desaparecesse.
Mas, então, como redimir o ser humano? Como permitir que o ser humano, o descendente de Adão — cuja vida é, desde o primeiro momento, marcada pela mentira, pela falsidade, pelo pecado —, pudesse estar diante de Deus, suportasse o olhar divino, pudesse escutar a sua palavra, converter-se e viver em comunhão com o próprio Deus e manter-se vivo?
A sabedoria divina, no seu amor por cada um de nós e por todos os seres humanos, desenhou um plano de salvação: se o homem não era capaz de subir até Deus, Deus desceria até ao homem. Por amor, iria humilhar-se; seria homem verdadeiro, em tudo semelhante ao homem pecador (cf. 2Cor 5,21); por amor, iria mesmo assumir e viver as consequências do pecado, condenado à morte infamante da cruz: poderia ser que, ao menos o seu povo, O acolhesse e entrasse nesse dinamismo de comunhão, abandonando o pecado e acolhendo a vida, a vida verdadeira, a vida eterna, a vida divina.
Para isso, era necessário um ser humano a quem o próprio Deus se pudesse unir e de quem pudesse tomar a carne humana, permitindo-lhe entrar na história não apenas como presença a ser intuída ou palavra a ser escutada, mas como carne a ser vista, tocada, vivida. Alguém que, por causa da redenção e do Redentor, não só fosse capaz de ver a Deus, como de ser um com Ele, unindo, desse modo, a carne maternal e o imaculado divino. Esse alguém teria que ser uma mulher, mãe, pensada desde o princípio, preparada no coração divino, capaz de ser a nova e verdadeira "Arca da Aliança", onde o próprio Deus pudesse habitar, crescer e aprender a ser humano.
Esse alguém é Maria de Nazaré, a quem Deus tornou "Cheia de Graça", adornada com todas as virtudes, Imaculada desde a sua conceição. Fê-la capaz de resistir a todas as intempéries da história e do pecado; fê-la mais resistente que a madeira de acácia com que Moisés construíra a Arca da Aliança para guardar as Tábuas da Lei e uma taça com o Maná. Se a velha Arca estava revestida de ouro no interior e no exterior, Maria seria ornada de virtudes em todo o seu ser. E, no seu interior, não estaria uma taça com o Maná, mas Aquele que haveria de dizer sobre si mesmo: "Eu sou o Pão da Vida… Quem me come jamais morrerá".
Em Maria, tudo é de Deus e para Deus. "É ali que me encontrarei" (Ex 25,22), tinha dito o Senhor a propósito da Arca antiga, entretanto perdida. Agora, acerca da nova e verdadeira Arca da Aliança, dirá, como escutámos: "Avé, Cheia de Graça, o Senhor está contigo".
É por isso que na Virgem Maria (a nova e verdadeira Arca da Aliança), se concretiza a vocação de todo e qualquer ser humano: "[Em Cristo, Deus] nos escolheu, antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, em caridade, na sua presença. Ele nos predestinou, conforme a benevolência da sua vontade, a fim de sermos seus filhos adotivos, por Jesus Cristo, para louvor da sua glória e da graça que derramou sobre nós, por seu amado Filho" (Ef 1,5-6).
2. Compreenderam-no bem os portugueses, desde o início da nossa pátria: já antes da fundação, as Catedrais de Braga, Coimbra e Porto foram dedicadas à Virgem Maria; e, depois, também a ela foram consagradas as Sés de Lisboa, Évora, Silves e Guarda. Aliás, já em 1142, o ainda príncipe Afonso Henriques tinha escolhido Nossa Senhora como padroeira, afirmando a vontade (sua e de todos) em "ter como advogada diante de Deus a Bem-aventurada Virgem".
Em 1320, o Bispo de Coimbra iria mesmo instituir a festa da Imaculada Conceição, afirmando: "As portas do paraíso que pelo pecado de Eva eram cerradas, pela Virgem gloriosa Santa Maria são abertas a todos os fiéis de Jesus Cristo". E nesse mesmo século, também em Lisboa se celebrava a mesma festa, por ordem da Rainha Santa Isabel.
Poderiam ser muitos outros — e constantes —, ao longo dos séculos da nossa nacionalidade, os testemunhos desta particular devoção nacional à Virgem Imaculada. Baste-nos apenas referir a especial devoção de S. Nuno Álvares Pereira à Virgem Maria, manifesta na oferta da imagem da Imaculada ao Santuário de Vila Viçosa; e a de D. João IV, ao coroá-la Rainha de Portugal.
Também aqui, na nossa Ilha, a devoção mariana foi uma constante desde o início do povoamento, começando pela Capela de Nossa Senhora do Calhau, passando pela devoção a Nossa Senhora do Monte e pela inscrição que figura na porta desta nossa catedral e de outras igrejas madeirenses, até às tantas igrejas e paróquias que se entregam à sua particular protecção. Tudo isso nos diz como o coração nacional e regional tem, ao longo dos séculos, procurado bater ao ritmo da Virgem Imaculada de Nazaré.
Reconhecemos uma certa e inexplicável predilecção de Nossa Senhora por estes seus filhos; mas sabemos também como isso nos torna responsáveis: responsáveis pela fé e pela verdade da sua confissão e da sua vivência; responsáveis pelas atitudes cristãs no quotidiano e na organização da vida social. Responsáveis por imitar a Virgem Imaculada, numa entrega cada vez mais completa e total a Deus nosso Pai, procurando em tudo cumprir a sua vontade.
Maria é exemplo vitorioso de vida cristã; é intercessora diante de seu Filho; é evangelizadora ao suscitar em tantos lugares e com tão diferentes protagonistas testemunhas claras do Evangelho; é lutadora da verdade de Deus contra todas as heresias e desvios à verdadeira fé. Sigamos o seu exemplo; recorramos à sua intercessão, procuremos dar testemunho do Evangelho de seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo.
+ Nuno, Bispo do Funchal
