Homilia do Sr. Bispo no Dia do Consagrado

03-02-2023

APRESENTAÇÃO DO SENHOR

Catedral do Funchal, 02 Fevereiro 2023


"Movido pelo Espírito"

1. Celebramos hoje a Festa da Apresentação do Senhor no Templo. Peregrinando a Jerusalém em finais do séc. IV, Etéria, abadessa de um mosteiro da Galiza, descreve-nos as diversas celebrações dos cristãos da Cidade Santa. Entre elas, refere-se à festa do Hypapante, do Encontro: diz-nos ela que, 40 dias depois do Natal, os cristãos celebram a festa do encontro do Senhor com o seu povo "com tanta alegria como se fosse Páscoa". E uma antífona bizantina, cantada hoje, convida: "Adorna o teu tálamo ó Sião! Acolhe Cristo, o teu Rei! Dirige-te apressadamente para Maria! Ela é a Porta do Céu, visto que traz entre os braços o Rei da glória, a nova Luz, gerada antes da aurora!".

Deus vem ao encontro do Seu Povo. Somos, por isso, convidados em primeiro lugar a contemplar este movimento de Deus que toma a iniciativa de vir até nós, de vir ao nosso encontro em carne humana - Deus que toma a iniciativa de se revelar, humilhando-se, baixando até à nossa condição. Neste sentido, na festa de hoje prolongamos as celebrações do Natal: o Verbo faz-se carne para que O possamos mais facilmente reconhecer e encontrar; para que os nossos sentidos se possam dar conta da sua presença no meio de nós e, desse modo, o nosso coração, percebendo-o assim tão próximo, se possa alegrar e acolhê-lo, deixando-se converter por Ele - que o mesmo é dizer: deixando-se envolver, abraçar, impregnar por esta Presença única.

Somos convidados a também dirigir o nosso olhar para a Virgem Maria que traz consigo o Verbo feito carne. Ela, que traz o Menino em seus braços, é a verdadeira "Porta do Céu", como gosta de lhe chamar a tradição cristã. É Maria quem no-lo mostra; é Maria quem no-lo apresenta; é nos braços maternais da Virgem que brilha para nós a Luz que ilumina as nações - quer dizer: luz que ilumina cada homem e mulher, e que ilumina toda a humanidade. As candeias que acendemos no início desta celebração são bem o sinal desta nossa vontade de nos deixarmos iluminar pela "Luz gerada antes da aurora", que Maria traz nos braços e nos apresenta.

Maria e José cumprem a Lei. Por três vezes, S. Lucas faz essa referência: "Ao chegarem os dias da Purificação, segundo a Lei de Moisés" Maria e José levaram Jesus para o apresentarem "como está escrito na Lei do Senhor", e para oferecerem duas pombinhas "como está escrito na Lei do Senhor". A Lei de Moisés encontra-se presente: ela é, por assim dizer, a razão imediata do primeiro encontro público entre o Verbo feito carne e o povo da Antiga Aliança. A Antiga Aliança conduz a este encontro que marca, para toda a humanidade, o tempo novo, o tempo do "Deus connosco".

2. Mas hoje contemplemos com um pouco mais de atenção o encontro de Deus com o Seu povo a partir da perspectiva de Simeão e de Ana. Notemos como Simeão e Ana são movidos pelo Espírito Santo. Com efeito, S. Lucas refere que "o Espírito Santo estava" em Simeão (v. 25), e que lhe revelara que não morreria antes de ver o Ungido, o Messias (v. 26). Por isso, aquele ancião "veio ao Templo movido pelo Espírito" (v.27).

Simeão e Ana personificam o povo anónimo, os "justos e piedosos", os pobres que, apesar de todas as derrotas, persistem em ver cumpridas as promessas de Deus - aquelas promessas que constituem o verdadeiro motor da história de Israel, e que dão razão de ser a todo o Antigo Testamento. Neles, esperar não se trata de teimosia humana e (muito menos) de ignorância de pobres analfabetos. Trata-se, antes, da certeza vivida de que Deus jamais abandonará o seu povo.

Na verdade, a primeira virtude dos "justos e piedosos" é a esperança. Quer dizer: o cultivo daquela atitude de se encontrarem disponíveis para acolher o agir de Deus na história e na sua vida. Não se trata apenas do cumprimento escrupuloso da Lei; não se trata apenas de viver rectamente: aliás, essas qualidade não seriam possíveis sem esta abertura, sem a espera pela intervenção, pela presença da Palavra de Deus, a única a poder oferecer o sentido último e definitivo ao viver humano.

Não se trata, pois, de um mero esperar humano: aos crentes, é o Espírito do Senhor quem os faz esperar; e o que eles esperam é Aquele sobre quem repousa o Espírito em abundância: o Cristo, o Ungido, o Messias do Senhor. Com efeito, S. Lucas diz que Simeão, como homem justo, "esperava a consolação de Israel" (em grego, προσδεχόμενος παράκλησιν τοῦ Ἰσραήλ [prosdechómenos paráklesin tou Israel]), o mesmo é dizer: a consolação de Israel é uma pessoa, é Aquele sobre quem repousava o Paráclito, Jesus.

É pois o Espírito Santo quem permite aos justos esperar, tantas vezes contra toda a esperança. Porque é presença de Deus em nós e connosco, o Espírito dá àqueles que O acolhem uma certeza íntima que não se deixa abater pelas contrariedades, pelas perseguições ou sequer pelas incapacidades humanas. O Espírito Santo faz-nos esperar porque nos dá a certeza de que Deus jamais nos irá abandonar. O Espírito Santo impede-nos de vivermos como derrotados.

Mas é o Espírito Santo quem move os justos para irem ao encontro do Senhor. Foi assim com Simeão, que foi ao Templo levado pelo Espírito. O Espírito não nos deixa ficar parados, à espera que os acontecimentos venham até nós. Pelo contrário: Ele faz-nos caminhar; é urgência no nosso coração, impedindo-nos a paralisia interior e exterior. Em nós, o Espírito é convite à conversão e ao amadurecimento da fé, tal como é convite à transformação do mundo que nos rodeia, levando-nos a não desistir de o modificar, de o tornar cada vez mais próximo do desígnio, do sonho de Deus para todos. O Espírito torna-nos a todos ousados protagonistas da história: da nossa história pessoal e da história do mundo inteiro.

Por fim, é o Espírito quem mostra a realidade de Jesus como o Ungido, o Messias, o Cristo, o Deus-connosco. Muitos crentes terão estado naquele dia no Templo de Jerusalém. Mas, para a grande maioria, Maria e José não se distinguiam entre os tantos que vieram ao Templo apresentar o seu Primogénito, cumprindo a Lei de Moisés. A esmagadora maioria presenciou aquele acontecimento sem se dar conta do que estava a suceder, do significado profundo daquela hora.

Apenas aqueles dois justos e piedosos, velhos mas cheios do Espírito Santo - apenas eles foram capazes de reconhecer o sublime mistério do encontro entre Deus e o Homem! Sem o Espírito do Senhor, tudo é apenas o correr dos dias. Sem o Espírito do Senhor, os dias passam com as horas, iguais e monótonos, prisioneiros dum tempo circular, fechado sobre si. Apenas o Espírito nos permite viver percebendo a íntima realidade do acontecimento e dos seus protagonistas. Apenas o Espírito nos permite discernir a presença de Deus e, com ela, o sentido da história e a sua meta definitiva. Apenas o Espírito nos torna peregrinos da eternidade. Apenas o Espírito nos torna cidadãos do mundo novo, inaugurado pela presença do Cristo de Deus.

Em definitivo, é o Espírito do Senhor quem nos permite reconhecer a salvação que Deus nos oferece, e de aceitar viver nela plenamente, e de ser a sua presença. Sem o Espírito de Deus, jamais seriamos capazes de reconhecer a salvação, tal como seríamos, também, incapazes de reconhecer o lugar, a missão que cada um de nós é chamado a exercer em favor de todos. Sem o Espírito, jamais seremos capazes de reconhecer os carismas, as tarefas, as vocações.

Queridos consagrados, que enriqueceis esta nossa diocese do Funchal com os vossos dons - que são dons do Espírito. Que mais vos posso pedir, enquanto o Sucessor dos Apóstolos à volta de quem se reúne a Igreja nesta nossa Ilha, que mais vos posso pedir senão uma redobrada atenção ao Espírito Santo e ao seu agir no meio de nós? Sois, todos vós, sentinelas do Espírito. Tendes a vocação - que o mesmo é dizer: a missão, a responsabilidade - de, mais que todos, ser aqueles que são dóceis ao Espírito Santo. Tendes a vocação de a todos fazer ver o hoje da salvação: Deus que vem ao nosso encontro, Luz para nos iluminar, glória de todos nós.

Possa a "Senhora da Luz" ajudar-vos a todos - ajudar-nos a todos - a, como sucedeu com Simeão e Ana, nos deixarmos conduzir pelo Espírito Santo para, hoje como naquele dia, termos a alegria suprema de reconhecer a Cristo que, no meio de nós e em nós, nos conduz à salvação oferecida; e de, reconhecendo-a, a mostrarmos a todos os povos.