Homilia do Bispo do Funchal na Solenidade da Ascensão

24-05-2020

SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR (A)

24 de Maio de 2020


HOMILIA

Os discípulos tinham presenciado as acções e as palavras de Jesus ao longo do seu ministério público na Galileia e na Judeia. Depois da sua morte, tinham-no encontrado ressuscitado - tinham comido com Ele e tinham escutado as suas instruções. Agora, com a Ascensão do Senhor ao Céu, são convidados pelo mesmo Jesus a perceber e a viver um outro tipo de presença, não menos real e verdadeira: "Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos" (Mt 28,20).

Durante o ministério público de Jesus, a presença de Deus era a presença daquele homem de Nazaré. Inicialmente, parecia aos discípulos ser apenas mais um profeta, semelhante a João Baptista, ainda que os fizesse (como nenhum outro) deixar tudo para o seguir (cf. Mt 4,18-20). Depois, a consciência de uma especial presença de Deus em Jesus de Nazaré foi-se tornando mais clara, de tal forma que Simão Pedro pôde dizer em nome de todos: "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo" (Mt 16,16). E, no monte Tabor, Pedro, Tiago e João puderam escutar a voz do Pai: "Este é o meu Filho muito amado, em quem me comprazo, escutai-O" (Mt 17,5).

Depois de ressuscitado, quando Jesus se mostra gloriosamente com a vida de Deus, a Sua presença é diferente mas não menos real: é a presença de Alguém que se faz ver - é mesmo a presença de Alguém que come com os seus, que se dá a reconhecer ao partir do Pão, como no caso dos discípulos de Emaús; é a presença de Alguém que fala; é a presença de Alguém que sai ao encontro dos discípulos.

Na Ascensão, Jesus eleva-se ao Céu. Mas nem por isso abandona os seus: "Eu estou convosco todos os dias"; e logo acrescenta: "até à consumação dos séculos" (Mt 28,20). Isso significa que, ainda hoje, Jesus se encontra presente, connosco. Não nos abandona.

Que presença de Jesus - presença verdadeira e real e não apenas uma simples memória de um "ouvir dizer histórias de tempos antigos" - que presença real de Jesus podemos encontrar, nós, cristãos do século XXI?

S. Leão Magno - um Papa do século V, que viveu tempos de indescritível sofrimento, com o agonizar do Império romano, as invasões bárbaras, a destruição de Roma, as divisões entre cristãos e a incerteza doutrinal - S. Leão Magno tem (entre muitas outras), uma afirmação lapidar: "O que na vida do nosso Redentor era visível, passou para os ritos sacramentais; e para que a fé fosse mais firme e autêntica, à visão sucedeu a doutrina, em cuja autoridade se devem apoiar os corações dos crentes, iluminados pela luz celeste" (Sermão II da Ascensão [Sermo LXXIV], PL 54, 398).

Quer dizer: se outrora, na Galileia, os discípulos podiam ver Jesus de Nazaré; se depois da ressurreição o mesmo Jesus vem ao seu encontro e come com eles; depois da Ascensão hão-de ver o mesmo Jesus (não nos é retirada a visão do Senhor) - mas vêem-no no Pão e no Vinho consagrados, verdadeiro Corpo e Sangue do Senhor, presença não menos real, presença que a fé é capaz de perceber quando se deixa iluminar pela doutrina.

E nós podemos ainda acrescentar, desenvolvendo o raciocínio de S. Leão Magno: se outrora os discípulos podiam escutar Jesus de Nazaré, depois da Ascensão escutamos o mesmo Jesus nas palavras da Bíblia que nos são proclamadas. Se outrora os discípulos podiam encontrar Jesus de Nazaré pelas estradas da Galileia, hoje podem-no encontrar em cada baptizado, em cada cristão.

No Natal, celebramos Deus que vem ao nosso encontro em carne humana, em Jesus de Nazaré: Deus que se deixa ver, ouvir, tocar. Na Ascensão, celebramos Deus que vem hoje ao nosso encontro e se continua a fazer ver, ouvir e tocar na realidade dos sacramentos, na palavra da Escritura e na vida dos cristãos.

Neste Ano Pastoral de 2019-2020 somos, precisamente convidados a aprofundar esta realidade que nos é dada no sacramento do baptismo: o baptismo transformou-nos em presença de Jesus Cristo. Como o Senhor dizia aos Onze: "Ide, fazei que todos os povos se tornem discípulos, baptizando-os em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo".

Somos baptizados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Passamos para o nome de Deus, somos sua propriedade e, assim, somos também sua presença. Fazemos um com Jesus ressuscitado; somos Seu Corpo, Sua Igreja, como nos recordava S. Paulo na IIª Leitura. Apesar de todos os nossos pecados e de todas as nossas dificuldades, é também connosco que Jesus ressuscitado conta para continuar presente neste nosso mundo.

O facto de sermos baptizados convida-nos, por isso, antes de mais, à conversão: convida-nos a sermos, em cada dia, mais semelhantes a Jesus. E, depois, convida-nos a não termos medo de O mostrar, de O tornar presente, sempre, em toda a parte, com esta certeza de que Ele não nos abandona e de que conta connosco para transformar este nosso mundo e para que muitos O possam conhecer.

+ Nuno, Bispo do Funchal