Homilia Dia do Advogado

16-05-2025
Foto de Duarte Gomes
Foto de Duarte Gomes

DIA DO ADVOGADO

Sexta-feira IV do Tempo Pascal

Sé, 16 de Maio de 2025

1. "Deus ressuscitou-O dos mortos e Ele apareceu durante muitos dias àqueles que tinham subido com Ele da Galileia a Jerusalém e são agora suas testemunhas diante do povo" (Act 13,31).

O trecho que escutámos como Iª Leitura (Act 13,26-33), é parte do primeiro grande discurso missionário de Paulo. O Apóstolo (na sua 1ª viagem missionária), encontra-se em Antioquia da Pisídia. Situada na actual Turquia, a cidade era, naquele tempo, a capital administrativa da Galácia, uma espécie de "posto avançado" do Império. Nela vivia também uma assinalável colónia judaica, como demonstram vários achados arqueológicos.

Entrando na Sinagoga durante o culto de Sábado, Paulo começou por recordar e resumir a história da Antiga Aliança, para depois mostrar como esta preparava o acontecimento que é Jesus de Nazaré. De acordo com o Apóstolo, ao condenarem Jesus, o inocente, e pedindo a Pilatos que O crucificasse, os habitantes de Jerusalém estavam, mesmo sem o saberem, a cumprir as Escrituras: "Cumprindo tudo o que estava escrito acerca d'Ele, desceram-no da cruz e depuseram-n'O no sepulcro. Mas Deus ressuscitou-O dos mortos e Ele apareceu durante muitos dias àqueles que tinham subido com Ele da Galileia a Jerusalém e são agora suas testemunhas diante do povo".

Paulo mostra, assim, como os acontecimentos da Páscoa de Jesus se integram numa história de Deus com os homens, numa história de salvação: Deus provoca na história um conjunto de acontecimentos, cheios de sentido, com o objectivo de conduzir a liberdade humana à salvação. A morte e a ressurreição de Jesus, foram preparadas pelos acontecimentos anteriores e constituem a sua razão de ser, ao mesmo tempo que são, igualmente, uma novidade histórica, a erupção da vida nova: "Mas Deus ressuscitou-O dos mortos" (Act 13,30).

Como prova da verdade deste acontecimento, Paulo convoca "aqueles que tinham subido com Ele [Jesus] da Galileia a Jerusalém e são agora suas testemunhas diante do povo" (Act 13,31). É o testemunho dos Doze, testemunho oficial, dotado da autoridade de quem tinha conhecido, privado com o Senhor durante a sua vida pública, e que, por isso, podia agora atestar que aquele Jesus que tinham conhecido e tinham visto morto e sepultado, se encontra vivo, ressuscitado.

2. Interessa-nos sublinhar esta categoria do "testemunho", que se encontra presente, desde o início, no anúncio cristão. É uma categoria jurídica que é usada, de uma forma consciente, na teologia e na pregação.

O Antigo Testamento tinha codificado a figura do testemunho. O Livro do Levítico afirma a sua obrigação: "Se alguém, apresentado como testemunha, não quiser declarar o que viu ou de que teve conhecimento, será culpado desse pecado" (Lev 5,1). E o Livro do Deuteronómio apresenta a situação das testemunhas: "Não deves resolver uma questão com uma só testemunha contra um homem por qualquer crime, por qualquer falta ou por qualquer pecado que ele possa ter cometido; é pela palavra de duas testemunhas ou pela palavra de três testemunhas que deves resolver a questão. Quando se apresentar uma falsa testemunha contra um homem, acusando-o de uma transgressão, os dois homens que têm a contenda devem apresentar-se diante do SENHOR, diante dos sacerdotes e dos juízes de turno naqueles dias. Os juízes investigarão cuidadosamente e, se a acusação que aquela testemunha levantou contra o seu irmão for falsa, aplicar-lhe-eis a sentença que ele tencionava impor ao seu irmão. E assim arrancarás o mal do meio de ti. Os restantes ouvirão e terão medo, e não voltarão a fazer uma coisa perversa como esta no meio de ti. Não olhes para o caso com piedade: é vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé" (Dt 19,15-21).

Um autor judaico contemporâneo comenta: "Se a testemunha acusa o outro de homicídio, a sua palavra deve ser de tal modo fiável que esteja pronto a morrer por ela" (Y. Bendennoune, Devarim: un vrai témoin doit être prêt à mourir).

Como sabemos, também o direito romano assenta em grande parte na figura da testemunha. Basta recordar a afirmação de Cícero: quando a testemunha depõe, faz ouvir "a voz única e sem acrescentos da verdade" (Pro Caelio, 55).

3. S. Paulo (e todo o cristianismo) usa abundantemente a figura jurídica da testemunha. Diante dos seus irmãos judeus, o Apóstolo invoca o testemunho dos Doze acerca da verdade da acção divina em favor de Jesus de Nazaré, ressuscitado dos mortos.

Sabemos como os Doze, Paulo e tantos outros cristãos não hesitaram, ao longo dos séculos, em oferecer a sua vida como testemunho da verdade do acontecimento da ressurreição — mártires de outrora mas, também, do nosso tempo, deste nosso século XXI: na Nigéria e noutros países africanos; na Ásia ou mesmo na nossa Europa (recordemos, por exemplo, o Padre Jacques Hamel, degolado em França por fundamentalistas islâmicos, a 26 de Julho de 2016).

Com efeito, a todos os cristãos é pedido (mesmo exigido) o testemunho acerca da verdade da fé. A nós, que aqui nos encontramos, talvez não seja pedido o testemunho até ao sangue. E, embora seja certo que não fazemos parte do grupo dos Doze que viram o Ressuscitado, é no entanto verdade que também a nós o Senhor modificou, transformou o nosso modo de ser, a nossa vida. Também nós, todos nós, O percebemos presente em cada dia, ao nosso lado.

Temos, por isso, obrigação de dar testemunho, de sermos testemunhas da Ressurreição, onde quer que estejamos. Temos obrigação de o fazer com o nosso modo de vida e com as nossas palavras. Nós, como os Doze, como S. Paulo, como Santo Ivo, Padroeiro dos Advogados, de que hoje fazemos memória.

+ Nuno, Bispo do Funchal