Homilia Celebração de Ação de Graças pela Eleição do Papa Leão XIV

14-05-2025
Foto de Duarte Gomes
Foto de Duarte Gomes

CELEBRAÇÃO DE AÇÃO DE GRAÇAS

PELA ELEIÇÃO DO PAPA LEÃO XIV

Festa de São Matias, Apóstolo

Sé do Funchal, 14 de Maio de 2025

1. Celebramos hoje a festa do Apóstolo S. Matias. Da sua vida antes de integrar o Colégio dos Apóstolos, nada sabemos. E muito pouco sabemos da sua missão e até do seu martírio — apenas tradições díspares, impossíveis de confirmar. Mas conhecemos com algum detalhe o momento da sua eleição para membro do grupo dos Apóstolos, como acabámos de escutar na Iª Leitura.

Todos os evangelhos são concordes em afirmar que Jesus começou a sua vida publica por chamar Doze homens (cf. Mc 3,14-15 e par.), para estarem junto de si e para os enviar com autoridade. É o grupo dos Apóstolos ou dos "Doze discípulos" ou, simplesmente, "os Doze" — Doze, como doze eram as tribos de Israel, o povo da Antiga Aliança: o Senhor quis que a Igreja, povo da nova Aliança no seu Sangue, fosse ao mesmo tempo continuidade mas também novidade face a Israel, o povo da Antiga Aliança.

Tratava-se de mostrar a nova e definitiva Aliança no seu sangue como realidade preparada pela antiga Aliança do Sinai. A Igreja foi querida pelo Senhor como "novo povo de Deus", não já constituída por doze tribos, mas assente no testemunho que os Doze Apóstolos do Cordeiro deram sobre a verdade da Ressurreição.

Deste modo, o grupo dos Doze não era constituído apenas pela soma dos seus membros: o seu testemunho não era a soma dos testemunhos da ressurreição dados pelos discípulos que o compunham, mas o próprio grupo dos Doze era um ente que dava testemunho como realidade colegial, com autoridade própria, com quem cada membro da primeira comunidade de Jerusalém confrontava a sua fé e o modo como a vivia. Foi assim, por exemplo, com S. Paulo, no chamado "Concílio de Jerusalém" (cf. Act 15,6; Gal 2,2).

Matias não fazia parte do grupo dos Doze. Não tinha sido escolhido por Jesus. Mas fazia parte daquele outro grupo mais alargado de discípulos que tinham acompanhado o Senhor "desde o baptismo de João até ao dia em que, do meio de nós, foi elevado aos Céus" (Act 1,22). Era discípulo da primeira hora, e encontrara-se também ele com o Ressuscitado. Foi, por isso, chamado para integrar o Colégio dos Apóstolos.

Tratou-se de uma eleição: primeiro com o discernimento dos Onze (que individuaram dois nomes: Barsabás e Matias) e, depois, com a invocação e escolha do Espírito Santo, através do sorteio. Não bastavam critérios humanos nem os critérios da prudência e do discernimento crente: era necessário mais, porque a tarefa se afigurava como "mais que humana", mesmo divina.

2. Desta realidade da vocação falava igualmente Jesus no evangelho de S. João, como escutámos. Jesus dirigia-se aos Doze e dizia-lhes essencialmente duas coisas:

A) "Fui Eu que vos escolhi e destinei, para irdes e para que deis fruto que permaneça". Toda a iniciativa é do Senhor. É Ele quem chama; é a Ele que o chamado tem a missão de tornar presente (como disse o Papa Leão XIV: "desaparecer para que Cristo permaneça, fazer-se pequeno para que Ele seja conhecido e glorificado (cf. Jo 3, 30), gastar-se até ao limite para que a ninguém falte a oportunidade de O conhecer e amar" — Homilia, 09.05.2025).

B) Permanecer no amor, ou seja: guardar os mandamentos, em particular mandamento do amor. O Senhor chama para que aquele que é chamado permaneça no amor e, desse modo, dê frutos: "Assim como o Pai Me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como Eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai e permaneço no seu amor".

3. De vocação falava também o Papa Leão XIV ao iniciar a sua homilia no passado dia 9, na Missa de encerramento do Conclave que o elegeu.

Dizia ele aos Cardeais: "Deus, chamando-me através do vosso voto a suceder ao Primeiro dos Apóstolos, confia-me este tesouro [da Igreja] para que, com a sua ajuda, eu seja seu fiel administrador (cf. 1Cor 4,2) em benefício de todo o Corpo místico da Igreja; para que ela seja cada vez mais cidade colocada sobre o monte (cf. Ap 21,10), arca de salvação que navega sobre as ondas da história, farol que ilumina as noites do mundo. E isto não tanto pela magnificência das suas estruturas e pela grandiosidade dos seus edifícios – como estes monumentos em que nos encontramos – mas pela santidade dos seus membros, do povo que Deus adquiriu, a fim de proclamar as maravilhas daquele que o chamou das trevas para a sua luz".

Como depreendemos claramente, o tesouro a que o Santo Padre se referia não consiste em bens materiais, mas na própria fé. Tinha-o já explicado o Santo Padre: "«Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo» (Mt 16,16). Com estas palavras, Pedro, interrogado juntamente com os outros discípulos pelo Mestre, sobre a sua fé n'Ele, expressa em síntese o tesouro que a Igreja, através da sucessão apostólica, guarda, aprofunda e transmite há dois mil anos".

No dia seguinte, sempre diante dos Cardeais reunidos, o mesmo Papa Leão XIV apontava as suas prioridades pastorais. Dizia:

"Gostaria que hoje renovássemos juntos a nossa plena adesão a este caminho, que a Igreja universal percorre há décadas na esteira do Concílio Vaticano II. O Papa Francisco recordou e atualizou magistralmente os seus conteúdos na Exortação Apostólica Evangelii gaudium, da qual gostaria de sublinhar alguns pontos fundamentais: o regresso ao primado de Cristo no anúncio (cf. n. 11); a conversão missionária de toda a comunidade cristã (cf. n. 9); o crescimento na colegialidade e na sinodalidade (cf. n. 33); a atenção ao sensus fidei (cf. nn. 119-120), especialmente nas suas formas mais próprias e inclusivas, como a piedade popular (cf. n. 123); o cuidado amoroso com os marginalizados e os excluídos (cf. n. 53); o diálogo corajoso e confiante com o mundo contemporâneo nas suas várias componentes e realidades (cf. n. 84; Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 1-2).

Em 451, o Concílio de Calcedónia, perante a difícil afirmação da divindade e humanidade de Jesus, recebeu uma Carta do Papa S. Leão Magno. Depois de lida publicamente ao Concílio, o texto do Papa foi aclamado deste modo: "Esta é a fé dos Apóstolos. Todos assim acreditamos. Pedro falou pela boca de Leão".

Também hoje, nos nossos dias, Pedro fala pela boca de Leão. Professemos também nós a fé da Igreja, a fé dos apóstolos, fazendo-a nossa, em união com o novo Papa, por cuja boca e por cujas acções hoje Pedro fala a toda a Igreja e ao mundo inteiro.

+ Nuno. Bispo do Funchal