Homilia Abertura do Jubileu 2025

29-12-2024
Foto de Duarte Gomes
Foto de Duarte Gomes

ABERTURA DO JUBILEU 2025

Sé do Funchal, 29 de dezembro de 2024
Domingo da Sagrada Família

Regressar, procurando Deus

1. "Não O encontrando, voltaram a Jerusalém à sua procura. Passados três dias, encontraram-no no Templo": deste modo S. Lucas resumia um dos momentos de maior aflição da Sagrada Família: tinham, "simplesmente", perdido Deus! O Deus Menino que se encontrava ao seu cuidado, à sua guarda, tinha desaparecido.

A existência daquela família tinha uma razão de ser: o cuidado do Deus Menino, concebido pelo poder do Espírito Santo no seio de Maria. Mas as circunstâncias humanas pareciam conjugar-se em sentido contrário: primeiro, a necessidade da deslocação a Belém; depois, a falta de lugar para eles na hospedaria; logo a seguir, a perseguição de Herodes e a fuga para o Egipto… Mas tudo isso parecia menor, frente à perda do Menino. Maria e José fizeram, de imediato, o caminho inverso. Regressaram a Jerusalém para O procurar.

Foram necessários três dias, povoados por momentos em que o desespero parecia ganhar: três dias de procuras sem sucesso, certamente entre os conhecidos, entre os becos e ruelas da cidade de Jerusalém. Finalmente, puseram a hipótese do Templo: talvez ali O pudessem encontrar!

Até aquele momento, tinham, apenas, pensado como homem e mulher que procuram um filho desaparecido. Ao encontrá-lo no Templo, não encontraram apenas o filho ("Filho, porque procedeste assim connosco? Teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura"): Jesus, quase em tom de correcção, fê-los tomar consciência de terem encontrado o próprio Deus ("Porque me procuráveis [noutros lugares]? Não sabíeis que Eu devia estar na casa de Meu Pai?"). Jesus que ensinava os doutores, faz com que Maria e José tomem consciência de terem encontrado o verdadeiro "Templo de Deus", aquele que une céu e terra; a história e a eternidade; o divino e o humano.

Maria "guardava todos estes acontecimentos no seu coração". Claro que aqueles dias ficariam para sempre na sua memória de Mãe; mas, "no seu coração" (o lugar onde o nosso ser se encontra com Deus), Maria ia mais longe e "guardava todos os acontecimentos", fazendo com eles "história de salvação".

Ao encontrar o Deus feito Homem, encontraram, também, o sentido da história — da sua história, da história de Israel e da história do mundo: o encontro com o Menino no Templo descobria, um pouco mais, o sentido de tudo: Jesus não era, apenas, um menino — "o seu menino" — era Deus, o "Templo de Deus". Aquele Jesus era o lugar de encontro entre Deus e toda a humanidade: Deus para todos, que a todos procura e de todos se quer fazer encontrado.

2. Procuramos, também nós, o Senhor. Como Maria e José, começamos por procurá-Lo de um modo muito humano, nos lugares humanos onde vivemos e por onde passamos. Aliás, a nossa vida — a vida de todos os seres humanos — é, toda ela, a procura do rosto de Deus. Com efeito, é o rosto de Deus que procuramos, ainda que alguns lhe chamem "realização profissional" ou "pessoal", "felicidade", ou até "prazer". Procuramos o rosto de Deus, queremos encontrar-nos com Ele, em tudo o que fazemos e em tudo o que somos, mesmo de um modo inadvertido.

Fazemo-lo, tantas vezes, com a mesma aflição de Maria e José, porque tantas vezes o perdemos na nossa vida… Não damos por Ele quando está ao nosso lado, mas sentimos-Lhe a falta quando O perdemos. Só que, ao contrário de Maria e José, temos tantas vezes medo de "regressar" ou de arriscar a procura onde Ele de verdade se encontra.

3. E onde o podemos encontrar? Ele vem até nós, como há 2024 anos, em Jesus, esse Deus feito homem — esse Deus que nos procura e não desiste de ninguém (de nós e de qualquer ser humano).

Olhando para o que somos, olhando para o modo como vivemos, podemos ter medo deste encontro com Deus, porque somos tão pecadores. Ou (como Adão) podemos ter vergonha, por Ele nos conhecer tão profunda e interiormente. Ou podemos, ainda, ter vontade de nos escondermos porque somos tão cobardes e O negamos tantas vezes. Podemos pensar que Ele se faz apenas encontrado na nossa intimidade e não na vida pública, na vida que aparece diante de todos. Podemos julgar que somos indignos deste encontro, e que a nossa vida está definitiva desgraçada. Temos "pudor" em nos mostrarmos dele; "medo" que nos apontem publicamente como cristãos; "preguiça" porque esta procura e este encontro nos dá fadiga…

Por isso mesmo, deixai que, no início deste Jubileu de 2025 — este tempo de graça e misericórdia, oferecido à Igreja e ao mundo —, vos recorde e faça minhas aquelas palavras de S. João Paulo II, ao iniciar o seu ministério como Sucessor de Pedro:

"Irmãos e Irmãs: não tenhais medo de acolher Cristo e de aceitar o Seu poder! E ajudai [o Papa e] todos aqueles que querem servir a Cristo e, com o poder de Cristo, servir o homem e a humanidade inteira! Não, não tenhais medo! Abri — ou melhor, escancarai — as portas a Cristo! Ao Seu poder salvador, abri os confins dos Estados, os sistemas económicos bem como os [sistemas] políticos, os vastos campos de cultura, de civilização e de progresso! Não tenhais medo! Cristo sabe bem o que está dentro do homem. Somente Ele o sabe!

Hoje em dia, com muita frequência, o homem não sabe o que traz no interior de si mesmo, no profundo do seu ânimo, do seu coração. Com frequência vê-se inseguro sobre o sentido da sua vida sobre esta terra. É invadido pela dúvida que se transforma em desespero. Permiti, pois — peço-vos, imploro-vos com humildade e confiança — permiti que Cristo fale ao homem. Somente Ele tem palavras de vida; sim, de vida eterna!".

Deixemo-nos, também nós, encontrar por este Jesus. Deixemos que Ele viva a nossa vida e a transforme. Deixemos que Ele apareça e se mostre a todos, e modifique, converta, a vida interior de cada um de nós, mas também a vida pública (social, económica, política) da nossa Ilha.

+ Nuno, Bispo do Funchal