Homilia Abertura do Ano Pastoral 2025/2026

29-09-2025
Foto de Duarte Gomes
Foto de Duarte Gomes

XXVI DOMINGO DO TEMPO COMUM (C)

Abertura do Ano Pastoral

28 setembro 2025 - Sé do Funchal

1. Um rico e um pobre: parece fixado o destino do mundo, a sua história desde o inicio até ao final, de tal forma que a parábola que acabamos de escutar, proferida por Jesus há dois mil anos, a vemos ainda bem presente neste nosso mundo e nesta nossa sociedade: ricos que tranquilamente ostentam as suas posses, diante da pobreza de outros — diante de novos e antigos Lázaros cujos nomes continuamos a conhecer, mas cuja situação persistimos em ignorar: Lázaros que, apesar do seu trabalho, não são capazes de sustentar dignamente a sua família; Lázaros que se vêem obrigados a mendigar a sobrevivência; Lázaros, pobres de pão, mas também pobres de sabedoria, pobres de humanidade, e (sobretudo) Lázaros pobres de Deus.

Parece que o nosso mundo está condenado a esta histórica divisão entre ricos e pobres, mais profunda que qualquer outra divisão: os continentes são ricos ou pobres; e assim também os países e as pessoas. Parecem condenados ainda antes de nascer; condenados ainda antes de poderem trabalhar, crescer, lutar...

Temos consciência de que não poucas desigualdades têm sido esbatidas e ultrapassadas nestes nossos tempos. Não ignoramos como alguns têm — felizmente — deixado a condição de pobreza, a que pareciam condenados. Sim, é algum o caminho que já percorremos — pequenas conquistas desta civilização a que o cristianismo deu alguma forma. Mas essas poucas conquistas não nos podem fazer desviar os olhos das muito maiores e abissais pobrezas que persistem, perante o olhar passivo da maioria, que não apenas assume essa divisão como normal, como até aspira, simplesmente, a passar para "o outro lado": a ser rica, esquecendo a sua anterior condição.

E também não ignoramos tantas tentativas ideológicas de resolver esta grande questão. Tentativas que, apesar da generosidade de alguns, facilmente descambaram em maiores desigualdades e em novas formas de pobreza, em regimes de ditaduras onde o humano se viu quase aniquilado. Tentativas que, por ignorarem Deus e se colocarem mesmo como seus antagonistas, assumindo como objectivo o desaparecimento de Deus do coração e da vida humana, estavam, à partida, condenadas ao fracasso.

2. Mas o apelo da Palavra de Deus acaba de ressoar, uma vez mais, desinstalando o nosso pensar e agir, pondo em questão os nossos critérios, convidando a não desviarmos o olhar da realidade do pobre, e reconhecendo que jamais resolveremos esta divisão, presente na vida humana devido ao pecado, sem a ajuda de Deus e da sua graça, e sem nos colocarmos, com mais sinceridade, ao trabalho, à iniciativa corajosa.

Certamente: sendo verdadeira a afirmação de Jesus: "Pobres sempre os tereis" (Mc14,7), a questão não é a de, utopicamente, querer eliminar a pobreza, qualquer que ela seja, mas a de criar condições para que os pobres não se vejam condenados a essa situação. Isso mesmo quis dizer Santa Teresa de Calcutá, quando a questionaram sobre como eliminar a pobreza: "Não sei como eliminar a pobreza; eu ajudo os pobres", respondeu.

Claro que isso não pode significar (bem pelo contrário) a demissão da meta que tomámos para a nossa vida: no Céu, junto de Deus, sabemos que não haverá pobreza. Como também não pode significar a demissão dos poderes públicos, que facilmente se conformam com a presente situação. Esta não é uma luta perdida: é antes uma luta que precisamos de travar constantemente, tal como travamos aquela outra contra o pecado — sendo que uma e outra acabam por coincidir, pois, se virmos bem, no pecado se encontra a origem daquela pobreza. Não pode significar a demissão dos poderes públicos, nem a demissão de qualquer outro tipo de poder que possa influenciar a nossa sociedade — e, assim, também a Igreja. É antes uma luta que a todos deve congregar e unir. E, por isso, é uma tarefa de cada ser humano, de cada um de nós, de cada cristão. São Paulo, exortando os cristãos de Corinto à generosidade, recorda-lhes: "Conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se tornou pobre por vossa causa, para que fosseis enriquecidos pela sua pobreza" (2Cor 8,9). Desta pobreza de Cristo, plenamente manifestada na Cruz, queremos, todos nós, ser presença e testemunho, procurando, assim, enriquecer este nosso mundo, tão opulento de bens materiais mas tão pobre de humanidade e de fé.

3. Nem esta luta é estranha à "Formação dos Leigos", tema que nos propomos viver dum modo mais intenso neste ano pastoral que iniciamos com a presente celebração. Com efeito, "formar" significa "dar forma". Formar um cristão, qualquer que ele seja, significa ajudá-lo a assumir a forma de Cristo — forma que molda simultaneamente a sua vida interior e o modo como ela se manifesta perante todos, se mostra e anuncia as maravilhas de Deus.

Formar alguém significa, pois, fazer com que Cristo dê, cada vez mais, forma à sua vida; significa fazer com que os nossos sentimentos e as nossas atitudes sejam cada vez mais as de Cristo, de modo que Ele continue hoje a estar presente e a dar a sua vida ao mundo.

Insistimos, no entanto, nos leigos. Não que tenham desaparecido os testemunhos de santidade que desde sempre enriqueceram a nossa Igreja diocesana e moldaram a face do que significa ser madeirense — histórias de homens e mulheres anónimos que cuidavam dos seus filhos; testemunhos de gigantes na fé, que liam com os olhos de Deus a difícil realidade em que viviam; cristãos que colocavam os olhos no Céu e os pés nesta terra onde tinham nascido.

Trata-se, antes, de ajudar os nossos leigos a assumirem cada vez mais conscientemente, no seu quotidiano, os critérios de Deus, e a assumirem o próprio Deus como critério de existência. Tal como se trata de, ao mesmo tempo, os ajudar a dizer conscientemente a sua fé e a participar de um modo cada vez mais activo na vida da comunidade cristã.

A expressão "fé do carvoeiro" foi muitas vezes usada para ridicularizar a atitude existencial do cristão que se confia à fé da Igreja e a faz sua. Diz-se que tem a origem no encontro entre um grande teólogo que se teria perdido numa floresta e que, tendo encontrado um carvoeiro, se pôs a dialogar com ele acerca de Deus. E o carvoeiro respondeu: "Eu acredito como a Igreja acredita" . "E o que acredita a Igreja?", terá questionado o teólogo. "Acredita no que eu acredito", respondeu o carvoeiro. E dali não saiu.

Quem sorri, qual superior juiz, dessa fé de carvoeiro, esquece que a fé tem a sua origem num encontro com Jesus Cristo — encontro surpreendente e, de verdade, simples, ingénuo, desarmado. Esquece que a fé não começa por se perguntar sobre as razões de tal atitude confiante. E esquece também que, logo depois, essa atitude confiante dá lugar a um pensar e a um querer. E não são inúteis esses pensamentos acerca da fé. São a mais genuína expressão do humano, que procura razões de viver e de acreditar.

Queremos ajudar os nossos cristãos a serem capazes de "fazer a apologia da fé", a dar as suas razões a quem os interrogue, e a, com a sua vida, participarem activa e conscientemente na construção da sua comunidade cristã e humana.

Assim todos, ao longo deste ano pastoral, nos disponibilizemos para crescer na fé e na entreajuda e, desse modo, nos ajudemos todos a crescer como comunidade.

+ Nuno, Bispo do Funchal