Dia Mundial da Paz - 1 janeiro 2022

03-01-2022

SOLENIDADE DE SANTA MARIA MÃE DE DEUS

DIA MUNDIAL DA PAZ

Funchal, 1 de Janeiro de 2022

1. "O Senhor te abençoe e te conceda a paz". No mundo dilacerado pelo pecado humano, é difícil viver a paz. O Papa Francisco fala mesmo de uma Guerra Mundial vivida aos pedaços. "Apesar dos múltiplos esforços visando um diálogo construtivo entre as nações, aumenta o ruído ensurdecedor de guerras e conflitos, ao mesmo tempo que ganham espaço doenças de proporções pandémicas, pioram os efeitos das alterações climáticas e da degradação ambiental, agrava-se o drama da fome e da sede e continua a predominar um modelo económico mais baseado no individualismo do que na partilha solidária" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2022, 1).

É certo que nós, portugueses e madeirenses, nós europeus, há muito já que não experimentamos o que significa a guerra. Só podemos agradecer essa ausência de guerra. É um verdadeiro dom de Deus, poder acordar e viver um dia após outro na tranquilidade de quem possui todas as razões para crer que irá regressar a casa vivo, saudável e de boas relações com os vizinhos.

Mas não basta a ausência de guerra para dizermos que vivemos em paz. A paz é bem mais que a ausência de guerra. Ela significa e exige a possibilidade de nos desenvolvermos integralmente e em conjunto com aqueles que vivem ao nosso lado. Significa a possibilidade de vivermos numa sociedade harmónica e onde é assegurada a todos a oportunidade de ser de acordo com a vocação, o sonho de Deus, e de contribuir para o bem comum. A paz é uma benção e um dom de Deus. Para cada um e para todos. E é também uma conquista, uma vitória de cada um e de todos sobre tudo quanto coloca em perigo a vida do homem. É impossível uma vida de paz quando se defende e realiza o aborto; quando se defende e legaliza a eutanásia; quando se impede o acesso à educação e ao trabalho; quando nem todos têm acesso a condições dignas de vida.

2. Na Mensagem que sempre publica para nos ajudar a reflectir, a rezar e a viver em cada ano nos caminhos da paz e, assim, construirmos quotidianamente um futuro de paz, o Papa Francisco chama-nos hoje a atenção para três aspectos essenciais: o diálogo entre gerações, a educação e o trabalho.

O Papa começa por nos chamar a atenção para a necessidade de diálogo, em particular do diálogo entre gerações. O mesmo é dizer: a necessidade do encontro confiante e sincero, que "não exclui uma justa e positiva Dialética" (n.2). Diálogo exige "ouvir-se um ao outro, confrontar posições, pôr-se de acordo e caminhar juntos". E acrescenta o Papa: "Se os jovens precisam da experiência existencial, sapiencial e espiritual dos idosos, também estes precisam do apoio, carinho, criatividade e dinamismo dos jovens" (n.2).

Depois, o Papa Francisco faz referência à necessidade da educação. Começa por denunciar o facto de, nestes últimos anos, terem diminuído a nível mundial as verbas dos governos destinadas à instrução, ao passo que "aumentaram as despesas militares, ultrapassando o nível registado no final da «guerra fria», e parecem destinadas a crescer de maneira exorbitante" (n. 3).

Contudo, apenas a educação constitui o verdadeiro caminho a percorrer a longo prazo para um mundo de paz: apenas a educação pode conduzir ao desenvolvimento humano integral, tornando a pessoa mais livre e responsável. "Por outras palavras, instrução e educação são os alicerces duma sociedade coesa, civil, capaz de gerar esperança, riqueza e progresso" (n. 3).

Finalmente, o trabalho. No dizer do Papa, "o trabalho é um fator indispensável para construir e preservar a paz. Aquele constitui expressão da pessoa e dos seus dotes, mas também compromisso, esforço, colaboração com outros, porque se trabalha sempre com ou para alguém. Nesta perspetiva acentuadamente social, o trabalho é o lugar onde aprendemos a dar a nossa contribuição para um mundo mais habitável e belo" (n. 4). A presente crise pandémica, afirma o Papa Francisco, colocou sobretudo em causa o trabalho informal, recurso de tantos pobres para sobreviver.

4. Celebramos este Dia Mundial da Paz no início de um ano civil, quando se fazem compromissos para viver melhor o ano que agora inicia. Que um desses compromissos seja, precisamente, o nosso empenho pela paz. O Papa termina deste modo a sua Mensagem: "Oxalá sejam cada vez mais numerosas as pessoas que, sem fazer rumor, com humildade e tenacidade, se tornam dia a dia artesãs de paz. E que sempre as preceda e acompanhe a bênção do Deus da paz!".

Em particular, nós madeirenses, sintamos um particular apelo a viver e a construir a paz. Com efeito, passa este ano de 2022 o centenário da morte do Santo Imperador, o Beato Carlos de Áustria, verdadeiro construtor da paz no meio de uma Europa dilacerada pela Primeira Guerra Mundial.

Aos militares do seu exército, sempre o Beato Carlos procurou oferecer condições humanas no seio de um conflito que tratava os soldados como meras peças da estratégia dos poderosos. E, Imperador que era, dirigindo um dos lados do conflito, sempre se empenhou por encontrar, de um modo concreto, caminhos de paz. Foi este seu lado cristão de construtor efectivo da paz que lhe valeu o exílio e a morte nesta nossa Ilha da Madeira.

Deixou-nos, desse modo, a missão de continuarmos no caminho que ele trilhou, pedindo e construindo a paz, em nós e à nossa volta.

5. Mas, neste dia 1 de Janeiro, celebramos igualmente o fim da oitava do Natal. E, nele, a Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus. Ao afirmarmos e defendermos que Maria foi Mãe de Deus, estamos a afirmar que Jesus Cristo seu Filho, verdadeiro Deus, foi também verdadeiro homem, pois que de Maria Ele recebeu verdadeira natureza humana, "em tudo igual a nós, excepto no pecado", diz a Carta aos Hebreus. Ou, como afirmava S. Paulo na Carta aos Gálatas: "nascido de mulher e sujeito à Lei, para resgatar os que estavam sujeitos à Lei", quer dizer: a cada um e a todos nós.

Santa Maria é, por isso, "Rainha da Paz". Por ela recebemos o "Príncipe da Paz".

Peçamos a Nossa Senhora - em particular a Nossa Senhora do Monte, de quem o Beato Carlos era tão devoto, tal como todos e cada um dos madeirenses - que Ela nos obtenha a graça de sermos, também nós, verdadeiros construtores da paz, soldados daquele exército pacífico que tem à sua frente a Cristo Jesus, Príncipe da Paz.

+ Nuno, Bispo do Funchal