Cristo Rei 2021

27-11-2021

SOLENIDADE DE CRISTO REI

Caniço, 21 de novembro de 2021 (Ano B)


"O meu reino não é deste mundo"


Jesus é rei. Di-lo claramente diante de Pilatos. Naquele momento, no final da sua vida terrena, perante o governador romano da Judeia, representante do Imperador, Jesus - que sempre tinha fugido de uma proclamação real (cf. Jo 6,15: "Jesus, porém, sabendo que viriam buscá-lo para fazê-lo rei, refugiou-se de novo, sozinho na montanha") - não apenas aceita o título de "rei" (βασιλεύς), como até o reivindica: "Sou rei (βασιλεύς εἰμι). Para isso nasci e vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade".

Contudo, ao mesmo tempo que reivindica a sua condição real, Jesus afirma também: "O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam". Que significa isso? Em que consiste, afinal, o seu reinado?

Ao dizer que o seu reino não é deste mundo, Jesus diz-nos que ele se distingue claramente dos reinos a que estamos habituados. E, deste modo, o próprio Jesus toma, igualmente, distância do modo como os reis deste mundo exercem a autoridade.

O reino de Jesus distancia-se, assim, dos reinos políticos, dos Estados com fronteiras geográficas, da sua organização e do domínio de quantos neles exercem o poder: "Sabeis que os governantes das nações as dominam e os grandes as tiranizam. Entre vós não deverá ser assim. Ao contrário, aquele que quiser tornar-se grande entre vós seja aquele que serve" (cf. Mt 20,25).

Mas o reino de Jesus não se distancia apenas dos Estados. Distancia-se, igualmente, de outras realidades a que tantas vezes nos referimos como "reinos" por analogia. O reino de Jesus não é, por exemplo, como o reino da ciência, o reino dos livros, o reino da pintura ou da música, o reino dos sentimentos. E, muito menos, é o reino da fantasia e do sonho, onde tantas vezes nos refugiamos para esquecer ou fugir da dureza da realidade. O reino de Jesus é um reino real, visível, palpável. É vida que já se encontra no meio de nós - e percebem-no aqueles que lhe pertencemos, porque este reino traz consigo exigências concretas e, ao mesmo tempo, a fruição duma felicidade igualmente concreta e palpável, a felicidade plena que é fruto da vida de Deus em nós.

O reino de Jesus não é deste mundo também porque as suas normas e leis não são aquelas que habitualmente são usadas para estabelecer as regras de convivência entre os seres humanos. Com efeito, no reino de Cristo, a lei não se limita a dar a cada um aquilo a que tem direito por natureza: oferece, antes, a cada um o que lhe é necessário para a salvação, de acordo com as suas necessidades. No reino de Cristo, a lei maior é a caridade, quer dizer: o amor de Deus derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos habita.

Por isso, o reino de Cristo não é o reino da aparência simples e superficial, que procura enganar, mostrando aquilo que não somos: o reino de Cristo é, antes, o reino da verdade ("Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz", dizia o Senhor no evangelho). Diante do Senhor, à Sua volta, naquilo que lhe pertence, tudo aparece claro e na claridade - desde a realidade que aparece aos olhos de todos, até ao núcleo mais central, essencial e íntimo da nossa existência. Desapareceu a mentira, o engano. No reino de Cristo, tudo é iluminado pela Verdade que é o próprio Deus. Nele não existem sombras, lugares obscuros. Aliás, cada um aparece não apenas como é, com a sua verdade de criatura, mas revestido da verdade bondosa de Deus, que dá sentido e torna verdadeira toda a existência.

No reino de Cristo, a atitude fundamental é a obediência. Quer dizer: aquela atitude de quem escuta a vontade de Deus e a procura pôr em prática. Para usar uma expressão querida ao nosso Beato Carlos de Áustria (de quem celebrámos no passado dia 19 os 100 anos da sua chegada à Madeira), a atitude fundamental do reino de Cristo é a de "procurar discernir cada vez melhor a vontade de Deus para depois a viver sempre com maior diligência". É a atitude fundamental de Jesus, vivida de um modo todo singular na cruz, na entrega total e final à vontade do Pai.

O modo de viver neste reino é o serviço. Nele tudo é serviço - e, se assim não for, afastamo-nos do reino de Cristo. Quer dizer: no reino de Cristo, tudo é preocupação pelo outro, pela sua vida, pelo seu bem. É o esquecimento de si para o serviço do próximo até ao fim, até à entrega da própria vida em favor dos irmãos. Por isso, o Senhor afirma: "Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue". O reino de Cristo jamais poderá ser imposto pela força. É um reino de paz, e é testemunhado e cresce através do serviço a Deus e ao próximo.

O reino de Cristo é ainda o reino da liberdade. Não apenas porque nele ninguém entra forçado, quanto, sobretudo, porque ele nos permite sermos plenamente aquilo para que fomos criados; nos permite ser aquilo para que existimos. E isso torna-nos livres de qualquer dependência, de toda a sujeição terrena, de qualquer prisão que não seja única e exclusivamente a Deus e às formas que Ele escolheu para estar presente na nossa vida. Nós cristãos não temos outro Senhor, não dobramos o joelho diante de quem quer que seja; não obedecemos a mais ninguém senão a Deus ou a quantos têm por missão, por serviço, torná-Lo presente. E isso faz-nos os mais livres de todos os homens. "Foi para a liberdade que Cristo nos libertou", afirma S. Paulo (Gal 5,1).

O reino de Jesus não é deste mundo porque, de facto, a sua realização perfeita não a poderemos nunca viver na história - no espaço e no tempo desta nossa vida terrena: a realização plena do reino de Cristo só a encontramos naquele lugar de relação perfeita com Deus, na contemplação eterna do Seu rosto de que os santos já gozam - S. Paulo dirá: "quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então também o mesmo Filho [Cristo] se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos" (1Cor 15,28).

No entanto, ainda que não tenha a sua realização perfeita neste mundo, o reino de Jesus começa já aqui a ser vivido e a realizar-se aqui e agora. É o reino de que fazem parte aqueles que, vivendo já por Cristo, com Cristo e em Cristo, vão semeando, pelo seu viver, no ambiente em que vivem, a presença da vida luminosa e bela de Deus. É o reino de que fazem parte aqueles que, já neste mundo, se vão deixando transformar por Deus e, consequentemente, vão transformando o mundo à sua volta. Vão impregnando a vida e o mundo daqueles momentos em que percebemos Deus ao nosso lado, e a felicidade do Céu como possível e concreta, experimentada na vida humana que se vai transformando à imagem de Cristo.

De facto, este reino é, sobretudo, o reino de Jesus, é a Sua centralidade na existência concreta de cada um de nós: dele fazem parte quantos se deixaram encontrar pelo Senhor no concreto da sua vida; que olham para Ele não apenas como um "inspirador" longínquo de ideias mas que O percebem como presença transformadora, que conduz a novas atitudes e que oferece um novo modo de viver. Alguém em quem vivemos, nos movemos e existimos (cf. Act 17,28).

A Ele, a Jesus Cristo, "a Testemunha fiel, o Primogénito dos mortos, o Príncipe dos reis da terra; Àquele que nos ama e pelo seu sangue nos libertou do pecado e fez de nós um reino de sacerdotes para Deus seu Pai, a Ele a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Ámen".

+ Nuno, Bispo do Funchal