Conferência do Cónego Vítor Gomes dos Reis no Apostolado dos Leigos
«Comunhão, participação e missão na Igreja»
Estas três palavras com as quais o Papa Francisco lança o tema do próximo Sínodo não são propriamente novas. Elas exprimem a realidade profunda da Igreja de todos os tempos, uma vez que ela é chamada a viver a comunhão que recebe de Deus como um dom e como um chamamento, uma responsabilidade a promover e a desenvolver no hoje da nossa história. A comunhão leva à participação de todos na vida da Igreja e esta participação é já a expressão da missão. Assim, a comunhão, a participação e a missão não são três tempos sucessivos na vida e na acção da Igreja mas uma mesma realidade vista sob três ângulos distintos e complementares. A comunhão leva à participação e é a fonte da missão. Somos missionários pela nossa participação e comunhão na Igreja.
O tema do Sínodo não é um programa a pôr em prática como se a comunhão fosse uma teoria, um conjunto de ideias generosas ou um ideal de uma planificação a ser cumprida a rigor com objectivos definidos. Não é preciso primeiro ver banidos os obstáculos à comunhão para viver em comunhão. A comunhão que nos liberta e nos realiza em Igreja também nos crucifica em união com Jesus. A comunhão não é o ideal duma Igreja da terra sem problemas, sem impasses, sem tempestades. Seria preciso viver fora do tempo para sonhar tal coisa. Também por isso, a comunhão não é primeiro o que acontece graças aos nossos esforços, iniciativas, programas, encontros. Melhor dito, a comunhão acontece neles se desce do alto, se nos abre à conversão ao Evangelho, se nos leva ao arrependimento, ao perdão e à reconciliação, se nos incita a sermos colaboradores empenhados no seio da Igreja porque o amor a Deus que é inseparavelmente amor a Cristo transformou a nossa vida.
Penso que o tema do Sínodo proposto pelo Papa pode livrar-nos de todo o pessimismo que é algo que paira no ar do tempo. Hoje facilmente se procura uma libertação do eu na permanente busca de outros lugares, de outros mundos, de outras formas de viver. Basta ver o sucesso das indústrias do lazer, das espiritualidades do desenvolvimento pessoal, orientais ou outras. Temos, pelo contrário, de apreciar o que já se vive e faz de bom na Igreja, no silêncio, na fidelidade e na persistência de cada dia, para encontramos em tudo isso a presença do Senhor ressuscitado que nos leva a ir mais longe, a vencer as nossas muitas inércias, a dar lugar a uma maior participação de todos para sermos todos missionários do Evangelho.
Os que participaram nesta consulta sinodal diocesana manifestaram a sua alegria por dar o seu contributo para uma melhor compreensão e vivência da missão da Igreja na qual se sentem empenhados. É deste caminho que dá conta a síntese nacional: «São unânimes as manifestações de gratidão por parte de quem participou no processo sinodal. Foi consoladora e animadora a experiência de poder rezar e conversar juntos, fazendo a escuta recíproca com franqueza aberta» (introdução). Muitos vieram dizer que os encontros realizados não deveriam limitar-se às circunstâncias do actual Sínodo mas renovar-se a todos os níveis, paroquial, arciprestal, diocesano. Experimentámos um sentir comum através duma diversidade de experiências, preocupações na missão junto das famílias e com a prática da fé dos mais novos. Mesmo se não temos soluções imediatas e eficazes para os desafios que nos são postos, também não cruzamos os braços a ver o que acontece ou o que os outros fazem. Sabemos que a meta do testemunho cristão é a de seguir Jesus em Igreja, isto é, em comunidade e em família. Para aí apontamos com persistência através do nosso testemunho de vida cristão.
Como se disse num dos encontros diocesanos: «Ser Igreja é fazer a diferença no caminho do outro». O Outro que faz a diferença no nosso caminho de cristãos é certamente Jesus Cristo. É a partir dele que podemos
fazer a diferença já no nosso caminho para poder fazê-lo no caminho dos outros. Falou-se de acolhimento e de escuta. A síntese nacional afirma: «O método sinodal [...] apelou a que a participação se manifestasse maioritariamente através da criação de grupos de escuta e de diálogo, para assim se proporcionar uma melhor oportunidade aos diversos grupos de se escutarem uns aos outros, ao invés das plataformas online, apesar de estas permitirem amplificar a participação, particularmente das vozes que não foram ouvidas no passado». Nos diversos grupos da nossa Diocese também se insistiu na capacidade de «ouvir as comunidades. É de grande proveito realizar assembleias paroquiais e instituir conselhos pastorais e económicos nas Paróquias fazendo-os realmente funcionar. Esta é uma educação progressiva para que os leigos se sintam corresponsáveis na missão, implicados nas actividades da paróquia». Disse-se que o acolhimento e o acompanhamento pessoal são um importante meio de missão hoje ao qual há que dar maior tempo e espaço nas paróquias e nos movimentos. Que iniciativas lançar para ir respondendo a este desafio? Tal é a pergunta que nos é feita. A síntese nacional constata «a dificuldade da Igreja em aproveitar os momentos de celebração social, como casamentos, baptizados e funerais, como verdadeiros momentos de evangelização». Neste sentido, foi dito na síntese diocesana que «acolher e humanizar são atitudes que se complementam [...] não se deve esquecer especialmente a dimensão espiritual do 'cuidar'».
A comunhão na Igreja brota do acolhimento do dom de Deus presente na Páscoa de Jesus e no dom do Espírito Santo. Escuta e acolhimento, disponibilidade e tempo para ir ao encontro surgem do nosso testemunho de fé. A sinodalidade provém duma autêntica experiência de fé e da alegria de ser e de viver em Igreja através da oração e da celebração dos sacramentos da Igreja. Na síntese nacional, «salientou-se a necessidade de se repensar a disposição dos espaços de oração, para que o espírito de comunhão seja mais intensamente vivido pelos fiéis». Na nossa Diocese, falámos do cuidado da
preparação da liturgia, da implicação dos jovens na preparação e celebração da Eucaristia, dos grupos de oração e de Lectio divina.
Que imagem temos da Igreja e como nos situamos nela? Somos um povo convocado por Deus e reunido graças ao Batismo. Os dons são diferentes mas todos são chamados a concorrer pessoalmente segundo o dom recebido para viver a unidade que Jesus quer para a Igreja: para isso, devíamos apreciar os dons uns dos outros, em vez de olharmos para o nosso dom e esquecermos que os outros dons nos podem enriquecer e ajudar a ser mais ativamente Igreja. Um dos reparos nos diferentes grupos diocesanos foi o de que nem sempre os movimentos dentro da paróquia e da diocese se conhecem e se apreciam. A diferença é por vezes fonte de rivalidade e de inveja subjacente. Procurar estimular-se mutuamente seria provavelmente um caminho para maior comunhão, como este nosso encontro hoje. O Espírito Santo suscita na Igreja muitos modos de viver o Evangelho que nós não podemos nem devemos uniformizar.
No encontro realizado em Fátima no mês de junho passado para apresentar os resultados do caminho sinodal nas Dioceses, cada um dos seus representantes pôde viver a experiência de preocupações comuns a todas elas à volta da escuta, do acolhimento, da formação e do testemunho. Foi um momento em que nos demos conta do empenhamento dos leigos e do seu propósito de assumir conjuntamente a missão da Igreja. Mais do que lamentar o que ainda resta por fazer, salientou-se o que se pode fazer tendo em conta os meios que já temos, sabendo que só uma consciência progressiva da comunidade como família nos pode ajudar a crescer em sinodalidade. Uma das dificuldades partilhadas foi a de chegar realmente às periferias. Constatou se uma certa apatia ou mesmo indiferença em relação aos temas propostos sobre a Igreja e a sinodalidade da parte daqueles que, sendo cristãos ou não, vivem na periferia da fé. Este é talvez um sinal de que há primeiro que despertar as suas aspirações para lhes anunciar o Evangelho.
Nos encontros diocesanos sobre a sinodalidade ouvimos algumas vezes, quando se tratava de propor, de aconselhar ou mesmo de decidir, a afirmação: o Senhor padre é que sabe, o Sr padre vê melhor, o Sr Padre é que decide. Sem contestar a capacidade de avaliação e decisão de cada um, os cristãos têm aqui a responsabilidade de sugerir, aconselhar, fazer surgir e inovar, acompanhar e colaborar sentindo a missão da Igreja como uma missão sua, uma missão comum e não apenas de alguns. Esta liberdade supõe, é claro, uma escuta benevolente e atenta da parte dos pastores. O que é resultado duma elaboração conjunta conduz sempre a uma realização que desperta a colaboração e o interesse de todos.