Acolhimento das Relíquias e Abertura do Sínodo

17-10-2021

ACOLHIMENTO DAS RELÍQUIAS DE S. TIAGO

SOLENIDADE DA DEDICAÇÃO DA CATEDRAL

INÍCIO DO SÍNODO DOS BISPOS 2023

Sé do Funchal, 17 de Outubro de 2021

Dificilmente participaremos numa outra celebração em que, com tal intensidade, nos vejamos envolvidos pelo mistério da Igreja nas suas diversas dimensões, como sucede com esta que agora vivemos. Nela, somos convidados, ao mesmo tempo, a, agradecidos, proclamar a fé que recebemos dos Apóstolos; a mostrar o amor divino que nos transforma no presente; e a preparar o caminho que havemos de percorrer no futuro. Hoje, a Igreja Diocesana do Funchal, reunida para acolher as relíquias do seu padroeiro, celebra a dedicação da sua Catedral e encontra-se particularmente unida à Igreja Universal, que em todas as dioceses do mundo inicia o caminho de preparação do Sínodo dos Bispos de 2023.

1. Acolhemos as relíquias de S. Tiago Menor. S. Tiago não é só aquele que, há 500 anos, foi escolhido como padroeiro da Diocese do Funchal. S. Tiago é, também, aquele que, sendo da família de Jesus, com Ele partilhou, há 2 mil anos, os caminhos da Galileia e da Judeia, escutando os ensinamentos do Senhor, presenciando os seus milagres, numa autêntica comunidade de vida. É ainda um daqueles a quem o Senhor apareceu ressuscitado, cheio da vida divina, depois de ter sofrido a Paixão. Por fim, S. Tiago foi o primeiro bispo de Jerusalém, e teve a graça de ser contado entre os primeiros mártires de Cristo, oferecendo a vida como testemunho da verdade de Jesus. As suas relíquias encontram-se hoje entre nós e irão percorrer a nossa Diocese. Queremos acolhê-las, juntamente com o testemunho de fé que elas nos oferecem.

Com efeito, a nossa fé é a fé dos Apóstolos. É a fé da Igreja. A fé que vivemos poderá ter - tem! - expressões próprias das gentes que nesta Ilha vivem. Mas não fomos nós que criámos a fé que professamos e vivemos. Nem foram os nossos antepassados que, quando para aqui vieram, imaginaram uma nova religião, ao seu gosto. Também eles receberam a fé. Receberam-na dos Apóstolos: de Pedro, de Tiago Menor e dos outros membros do grupo dos Doze, daqueles que partilharam a vida com Jesus pelos caminhos da Terra Santa. A fé surgida do seu encontro de homens assustados e incrédulos com o Senhor ressuscitado. A fé que eles, os Apóstolos, transmitiram depois aos seus discípulos, e às gerações futuras.

A fé cristã tem expressões diferentes, segundo as diferentes culturas dos povos onde ela chegou e que nela vivem. Mas o seu conteúdo, o seu núcleo central e essencial é a fé apostólica.

E nós, madeirenses, não queremos outra. Não nos procurem impor outra fé, nem nos obriguem a expressões que modifiquem a fé que foi transmitida, de geração em geração, desde a Igreja dos Apóstolos aos nossos dias.

Queremos fazer nossas todas e cada uma das expressões do Credo que em cada Domingo proclamamos. Queremos viver na fé da Igreja, que nos ultrapassa mas que nos envolve: a fé da Igreja "mãe e mestra", que nos ensina, que ilumina o nosso caminhar. A fé que hoje nos une uns aos outros, mas que também (e com não menos importância), nos une àqueles que conviveram com o Senhor e aos cristãos que dela viveram ao longo destes dois mil anos de cristianismo.

Queremos, hoje, fazer nossas as palavras de Pedro - escutadas, acreditadas e vividas também por S. Tiago Menor (que, de acordo com a narração evangélica, estava presente nesse momento) - quando o primeiro Papa, em nome dos Doze e em nome da Igreja de todos os tempos (em nosso nome!), proclamou: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo"!

Queremos fazer hoje nossa a fé de Pedro tal como o fizeram também S. Inácio de Antioquia, S. Agostinho de Hipona, S. Francisco de Assis, S. António de Lisboa, S. Isabel de Portugal, S. Tomás de Aquino, S. Catarina de Siena e tantos, tantos outros - aquela multidão imensa, os ilustres membros da humanidade que nos precedeu, e que não hesitaram em participar da fé dos Apóstolos. Acolhendo as relíquias do Apóstolo S. Tiago Menor, queremos mostrar que fazemos nossa a fé apostólica.

2. Hoje celebramos também, em I Vésperas, a solenidade da dedicação da nossa Catedral. Foi em 18 de outubro de 1517 que D. Duarte, bispo de Dume, a dedicou solenemente. As paredes desta igreja - a "Igreja Grande" do Funchal - são testemunhas de grande parte da nossa história.

Mas esta igreja, de que hoje celebramos a dedicação, não é apenas testemunho do passado. É sinal, presença, da Igreja que somos: Povo de Deus reunido em Cristo, Povo nascido das águas do baptismo, "geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido por Deus para anunciar os louvores d'Aquele que nos chamou das trevas para a sua luz admirável" (1Ped 2,9).

Sim, esta Igreja Catedral fala também da Diocese que somos. Mostra que não somos apenas herdeiros de uma tradição gloriosa, ainda que manchada pelo pecado e pelas falhas de tantos cristãos. Esta Catedral proclama que hoje, em 2021, no meio da nossa cidade e da nossa Ilha, somos e queremos ser, cada vez mais, como as pedras sólidas e belas deste templo. Somos e queremos ser, cada vez mais, o corpo de Cristo, de braços abertos à cidade, de portas escancaradas, que a todos acolhem.

Simples e austera exteriormente, quando alguém ousa entrar nesta Catedral com o coração despido de preconceitos e o pensamento aberto à novidade de Deus (quando não mesmo à Sua procura) - quando alguém entra nela com essas disposições, encontra a beleza atraente da esposa de Cristo: a cabeça que ostenta os mistérios da Encarnação, da Paixão e da Eucaristia, para daí surgir o colégio dos Apóstolos, com o lugar do coração nas mesas em que o próprio Jesus, como Eucaristia e como Palavra, se entrega hoje por alimento e que, depois, se estende numa assembleia unida pelo abrigo do horizonte da vida eterna que o tecto da nossa Sé simboliza de modo tão excelente.

Hoje, somos e queremos ser, cada vez mais, o Corpo de Cristo presente nestas nossas Ilhas. A quem olha de fora - a quem se coloca até no pedestal dum juiz omnisciente que tudo julga com os seus critérios humanos - a nossa diocese pode parecer coisa de gente simples e pobre, como as paredes exteriores da sua Catedral. Pode parecer coisa estreita e pequena. Coisa de gente ignorante que não pensa como os bem-pensantes deste mundo.

Mas quem tiver a simplicidade de entrar, de se fazer membro deste povo, com a disponibilidade daquele que procura, não pode deixar de se surpreender. Encontrará a sabedoria de vida; a generosidade humana transformada, alargada pela fé; a alegria festiva de quem percebe Deus ao seu lado, dando força e coragem para ultrapassar os sofrimentos; a rudeza da vida transformada em acolhimento; os horizontes abertos à imensidão do mar da vida eterna.

Grandiosa és, Igreja Diocesana do Funchal! Grandiosa como a tua Catedral. Grandiosa pelas qualidades e virtudes dos teus cristãos, mas (sobretudo) grandiosa pela presença em ti de Jesus ressuscitado. É certo que, não poucas vezes, a glória de Cristo foi ofuscada pelo pecado e pelas incapacidades dos teus filhos. Mas nem essas falhas foram capazes de destruir o brilho da Caridade divina, a verdade da Fé Apostólica, a certeza da Esperança, própria do peregrino da Eternidade, que em ti resplandecem.

3. Mas o Papa Francisco convidou-nos ainda a que hoje começássemos, juntamente com as dioceses do mundo inteiro, a preparar os caminhos do futuro.

O Sínodo dos Bispos de 2023, quis o Santo Padre que recolhesse, mais que o habitual, o sentir de todo o povo de Deus. Um povo que percorre em conjunto o caminho que é o próprio Cristo. Um povo onde, se é verdade que ninguém é insubstituível, todos são indispensáveis. Um povo onde sopra o Espírito do Senhor, que sempre renova a face da terra. Um povo que sabe escutar o entusiasmo irreverente do jovem, a certeza madura dos adultos, o ancião cheio de sabedoria. Um povo que se estende de uma ponta à outra do universo. Um povo onde todos têm lugar: santos e pecadores à procura de conversão. Um povo, multidão que procura transformar o seu tempo. Um povo que, nascido da morte e ressurreição de Jesus e do Espírito que nos faz um com o próprio Cristo, procura ser, no seio de uma humanidade dividida e em sofrimento, o lugar da unidade e da eternidade.

Tal como o ser humano se encontra, todo ele, no embrião quase invisível no seio da mãe, e depois se transforma no homem adulto e no ancião que olha com esperança a eternidade, também a Igreja e a sua doutrina, contida toda no gérmen da fé apostólica, se desenvolve, cresce, assumindo diferentes expressões e tomando consciência de novas realidades, sem nunca se tornar infiel à doutrina dos Apóstolos.

Hoje, o Papa convida-nos a, sem perder esta consciência de termos nascido no momento da Paixão do Senhor, olharmos para o futuro, caminhando juntos, alimentados pela Eucaristia, de modo a que muitos outros possam também descobrir e encontrar Jesus ressuscitado.

É assim a Igreja, Corpo de Cristo, Templo do Espírito, coluna e sustentáculo da Verdade. Alegremo-nos por vivermos nela. Agradeçamos a fé que recebemos dos Apóstolos, como no-lo recorda a relíquia de S. Tiago Menor. Procuremos hoje mostrar a beleza de Cristo que refulge no rosto desta Igreja. Sejamos, com Jesus e com os santos do nosso tempo, membros desta Igreja santa e construtores do amanhã.


+ Nuno, Bispo do Funchal