Ordenação Sacerdotal no Colégio Missionário

18-10-2022

75º ANIVERSÁRIO DA PRESENÇA DEHONIANA

Ordenação do P. Andrés Rafael

Colégio Missionário, 16 de Outubro de 2022

Leituras: Ex 17,8-13

2 Tim 3,14-4,2

Jo 10,11-16

"O Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas"

1. Quando Jesus nos diz: "O Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas", como acabámos de escutar, não podemos deixar de nos comover: Ele deu a vida por nós - por mim, por ti, por todos. Mesmo por quantos ainda não o sabem!

E esta é a raiz missionária da Igreja: todos os seres humanos têm o direito de saber que Cristo lhes oferece a redenção, e de viver caminhando ao Seu encontro, como salvos pelo Bom Pastor!

Viver desse modo, como chamados à redenção, faz toda a diferença, conduz a nossa liberdade a escolhas diferentes, dá uma nova qualidade à vida humana, a todo o existir: por mim, Deus experimentou a morte! E esse amor até ao fim transforma-me interior e exteriormente; transforma tudo quanto se encontra à minha volta. Só esse amor transforma verdadeiramente, só ele converte! Este tem sido, ao longo da história, o grande motor de um mundo novo!

Podemos imaginar o coração dos discípulos quando escutaram aquela afirmação de Jesus: o Bom Pastor, aquele Jesus que os tinha convidado a deixar tudo para O seguir, mostrava agora a intenção de oferecer a Sua vida por eles!

Naquela ocasião, não terão percebido toda a profundidade do que Jesus estava a dizer, mas podemos também imaginar o que eles mesmo viveram quando, tempos depois, foram confrontados com a cruz do Senhor: num primeiro momento, fugiram com medo; mas, depois, quando encontraram o Ressuscitado, estas palavras de Jesus sobre "dar a vida" deixaram de ser uma metáfora, uma frase bonita, feita de boas intenções, mesmo que profunda. Estas palavras de Jesus passaram a ser a realidade de um Deus que dá a Sua vida até ao fim, porque ama até ao fim aqueles seus discípulos, e porque ama até ao fim todos os seres humanos de todos os tempos: "Sabendo Jesus que tinha chegado a sua hora, Ele que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim" - escreverá o apóstolo João, oferecendo o sentido do que sucedeu naquela Páscoa, a Páscoa de Jesus.

Dias depois, no momento do Pentecostes - quando a Páscoa de Jesus se tornou a Páscoa dos discípulos, e o Espírito de Jesus (que é o Espírito Santo) tomou conta das suas vidas - também aqueles discípulos, pobres pescadores da Galileia, se viram enviados ao mundo como presença do "Bom Pastor".

E perceberam que a celebração da Eucaristia era o modo concreto como, depois de Jesus ter subido ao Céu, o Bom Pastor entrega a vida aos seus - e o modo como os discípulos podiam trazer em si essa vida nova do Ressuscitado, deixando que os transformasse em cada dia.

Não espanta, por isso, que - segundo a tradição, e com excepção de Judas Iscariotes - todos os membros do grupo apostólico tenham sofrido o martírio ou confessado a fé até ao fim: Pedro crucificado em Roma; Tiago Maior, decapitado em Jerusalém; André crucificado em Patras; Filipe crucificado em Hierápolis; Bartolomeu afogado no Daguestão; Mateus morto à espada na Etiópia; Tiago Menor apedrejado em Jerusalém; Tomé, trespassado por lanças na Índia; Simão crucificado na Arménia; Judas Tadeu morto a golpes de flechas na Pérsia; e João, confessor da fé, ainda que não tenha sido mártir, morreu em Éfeso, na fidelidade ao ministério apostólico.

Não é aqui o lugar para debater a verdade histórica de cada uma destas informações. Basta-nos acolher o seu sentido, e tomar consciência de que, quando Jesus diz que o Bom Pastor dá a vida, não está a usar uma metáfora piedosa: na sua morte e ressurreição, Ele amou-nos até ao fim,deu-nos a Vida - a Vida que Ele recebeu do Pai num acolhimento constante. E aqueles que enviou pelo mundo fora como Apóstolos, participantes da vida do Senhor, também não hesitaram em dar a vida. E, depois deles, até aos nossos dias, tantos foram e são os que dão a vida, a sua vida, tornada vida de Deus, para que outros (muitos, todos) possam viver a vida do Ressuscitado, testemunhas da verdade da fé - que o mesmo é dizer: discípulos que garantem, com a entrega da sua vida até ao fim, a verdade da vida de Cristo em nós.

2. O sacramento da Ordem faz com que um homem se torne presença sacramental do Bom Pastor. E isso não pode deixar de exigir dele uma identificação cada vez maior com Jesus, o Bom Pastor, fazendo com que surja, naquele que é ordenado, uma coincidência cada vez maior entre a sua disponibilidade livre e o apelo irrecusável que o Senhor lhe dirige a segui-lo. Hoje como no início - hoje como nas margens do Lago.

É por isso que a missão de ser presença do sacerdócio de Cristo, que o Padre recebe por força da sua ordenação; a missão de ser a visibilidade e de exercer sacramentalmente o ministério de Cristo Bom Pastor, não se compadece com uma vida entregue apenas em parte: não se compadece com o desempenho de um funcionalismo, vivido no meio de outros ofícios e afazeres. Exige uma total entrega de amor, que seja presença do amor total do Bom Pastor que,até ao fim, continua a amar aqueles que o Pai lhe confiou.

Mas isso só é possível quando deixamos que o nosso coração seja completamente tomado, invadido, pelo amor divino próprio do Coração de Jesus! Só aquele que ama é capaz de dar a vida. Só aquele que ama até ao fim, é capaz de dar a vida até ao fim. Só aquele que faz em si lugar para o Coração de Jesus é capaz de ser presença do Bom Pastor!

Esta foi, afinal, a intuição e a vida do Padre Dehon - a intuição e a vida que quis para os seus padres. Ser Pastor, ser Bom Pastor, significa ter em si o coração de Jesus, o Bom Pastor!

Esta entrega de amor mostra-se, dum modo todo particular, na celebração quotidiana da Eucaristia. Esse é o momento em que, diante dos nossos olhos, diante do coração do povo e na presença do próprio Deus, a vida de Jesus, entregue na cruz para a salvação do mundo, se torna alimento que dá vida e transforma o nosso ser, tornando-o mais próximo do Senhor.

As outras leituras que escutámos acrescentavam ainda algumas atitudes essenciais do quotidiano de um Padre que viva ao modo do Bom Pastor, tornando ainda mais concreta esta entrega total de amor.

Em primeiro lugar a oração. Apenas a constante intercessão orante de Moisés foi capaz de oferecer a vitória ao povo de Deus. A oração faz parte integrante e essencial do nosso ministério de Padres. Não apenas oração por nós e pelas nossas necessidades (pela nossa fidelidade, pela nossa capacidade de acolhimento da vontade de Deus, pelo crescimento nas virtudes, em particular na fé), mas sobretudo oração por todo o povo e pelo mundo inteiro, fazendo deste modo presentes a Deus as necessidades de todos, em particular dos mais pobres.

A vitória do amor divino - que é a vitória da fé e a vitória do povo de Deus - exige sacerdotes que sejam capazes de interceder sem cessar. Como gostava de afirmar S. João Paulo II, requer sacerdotes que tenham a disponibilidade para falar dos homens a Deus para depois serem capazes de falar de Deus aos homens.

Sacerdotes orantes, como a vida do próprio Jesus: uma oração constante, vivida em momentos silenciosos junto do Pai, e vivida em anúncio do Evangelho e em acções de salvação junto da humanidade. Mas uma oração diária, permanente, sem cessar, feita vida.

Depois, a frequência e o conhecimento das Escrituras. Presença da Palavra de Deus que é o próprio Jesus, elas dão-nos, como dizia o Apóstolo Paulo, "a sabedoria que leva à salvação pela fé". As Escrituras são o cânone, o ponto de aferição da verdade da nossa pregação e da nossa vida - nossa e das comunidades que nos estão confiadas: a elas precisamos de regressarquotidianamente; delas nos alimentamos como presença do Senhor.

É a partir delas, das Escrituras inspiradas por Deus, que podemos e devemos "ensinar, persuadir, corrigir e formar segundo a justiça".

3. Há 75 anos, os padres Angelo Colombo e Gastão Canova abriam o Colégio Missionário, depois de terem chegado à Madeira em 17 de Janeiro de 1947. Mudadas as condições próprias do tempo, não foi muito diferente a sua chegada, daquela que terá sido tantas vezes a dos primeiros discípulos de Jesus ao chegar a uma povoação: não tinham onde ficar, não sabiam que caminho percorrer, não sabiam como construir. Vieram com a disponibilidade própria do discípulo e do Padre que traz consigo o amor do Coração de Jesus. Pouco tempo depois, a sua obra começou a dar frutos. E frutos belos e grandes - frutos próprios do amor divino quando chega ao coração dos homens.

São todas estas maravilhas que agradecemos ao Pai nesta nossa celebração. São estas maravilhas que se tornam para nós responsabilidade. São estas maravilhas que pedimos a Deus para ti, caro Rafael, que dentro de momentos serás ordenado Presbítero: Padre segundo o Coração do Bom Pastor. Padre do Coração de Jesus!