Homilia no V Domingo da Quaresma

29-03-2020

V DOMINGO DA QUARESMA - A

29 DE MARÇO DE 2020

1. Um dos muitos desenhos, cheios de humor, que circulam pelas redes sociais nestes últimos dias, mostra Jesus a espreitar por detrás de uma pedra, querendo sair do túmulo, enquanto um soldado romano lhe diz: "volta para dentro, que estamos em quarentena".

Para lá do humor, o desenho coloca-nos, de facto - todos nós - perante uma interrogação: será que, verdadeiramente, o Senhor, este ano, vai também Ele, ficar de quarentena, dentro do sepulcro? Será que a sua ressurreição depende de nós, das Procissões dos Passos, das Via-Sacras, das penitências, dos jejuns - enfim, da Quaresma que fazemos?

A ressurreição do Senhor foi um acontecimento objectivo, histórico. Nessa sua realidade concreta, o Senhor abraça o mundo inteiro e chega até nós, ultrapassando os muros do tempo e do espaço, os muros da história, e nos abre caminho para a vida eterna.

A ressurreição de Jesus é, obviamente, um facto que não depende de nós - nem de nós, nem de ninguém: é algo objectivo, factual, que ninguém pode mudar, mesmo que não acredite (não é por um cego estar impedido de ver o sol que este deixa de brilhar).

2. Mas, de nós, depende o modo como acolhemos e vivemos a ressurreição de Jesus. E essa é a questão que nos é colocada ao longo de todo o ano litúrgico. A liturgia cristã tem esse propósito: ajudar cada cristão e cada comunidade cristã a viver a Páscoa de Jesus; a viver na Páscoa de Jesus.

"Como é que alguém que nasceu em dezembro, já está adulto e é agora crucificado?" - perguntava também uma criança ao seu pai... É que as celebrações cristãs são o modo de nos exercitarmos para viver a Páscoa de Jesus; para fazermos nossa, na nossa vida, a morte e a ressurreição do Senhor - onde está também incluído, como é óbvio, o seu nascimento (o Natal), pois que aí começou a humilhação, a morte que o próprio Deus experimentou ao assumir a nossa natureza.

São verdadeiramente exercícios, treinos, que nos ajudam a progredir na vida cristã: a acolher, viver e testemunhar essa realidade, esse acontecimento único da ressurreição, que continua hoje a dar sentido à vida de cada um de nós, à vida da nossa comunidade e à vida de todo o universo e de toda a história.

Por isso, é também necessária a evangelização: não temos o direito de manter os nossos contemporâneos na ignorância, quando, se acolherem a Boa Notícia, podem, também eles, viver a salvação; quando podem viver a sua vida na terra com um novo sentido, com um novo horizonte, cheio de esperança: o horizonte da salvação e da eternidade!

Este ano, os exercícios da Quaresma que, entre nós - para além da oração, jejum e esmola que cada um faz no seu segredo - consistem em atitudes colectivas de penitência, como são as procissões dos Passos ou as Via-Sacras, têm tido uma configuração bem diferente. Este ano foram substituídos por esta obrigação de permanecermos em casa; o sofrimento de não estar com os amigos; o tempo que dispomos para a oração e para estar uns com os outros; a caridade redobrada de estarmos atentos e de não deixar que nenhum dos nossos vizinhos (sobretudo os idosos) fique sem alimento e sem assistência... Uma Quaresma, como vos disse logo no início, com características bem singulares!

3. Mas regressemos à questão inicial. Cristo Jesus é a vida e a fonte da vida. Não apenas a fonte primeira desta vida que recebemos dos nossos pais - esta vida natural, podemos dizer - mas, Ele é também, a fonte da nossa vida sobrenatural, quer dizer: da vida que recebemos de Deus, a vida eterna. Como dizia S. Paulo na IIª leitura: "Se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós, Ele [...] também dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós" (Rom 8,11).

Jesus é abundância de vida. Ele próprio o disse: "Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância" (Jo 10,10).

O evangelho de hoje, retirado do capítulo 11 do evangelho de S. João, mostra-nos isso mesmo.

Jesus chama o seu amigo Lázaro da morada dos mortos à vida. Trata-se de um sinal (Jo 11,47) - de mais um sinal ! - que Jesus dá. Sinal de quê? Sinal de que Ele é a vida: "Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em mim, ainda que tenha morrido, viverá; e todo aquele que vive e acredita em Mim, nunca morrerá" (Jo 11,25-26).

A ressurreição de Lázaro é pois um sinal: Jesus que chama o seu amigo Lázaro de volta à vida natural, mostra-se como aquele que pode, igualmente, dar a vida eterna (a vida de Deus) a todos os que nele acreditam.

A questão que a todos se coloca é, portanto, acerca do modo como, este ano, e nas circunstâncias desta emergência por que estamos a passar, vamos acolher e viver a ressurreição do Senhor. Como irá, cada um de nós (como vai a nossa família e os cristãos desta nossa Ilha), como vamos todos celebrar, este ano, a ressurreição do Senhor? Como vamos acolher esta vida eterna em abundância que Ele nos quer oferecer? Que sinais vamos dar de que acreditamos no Senhor e, por isso, com Ele também ressuscitamos?

Se a ressurreição de Lázaro foi um sinal, que preparou os judeus que estavam em Betânia para a ressurreição de Jesus que teria lugar, tempo depois, em Jerusalém, o Domingo de hoje quer ser, também ele, um sinal para cada um de nós: sim, o Senhor ressuscitou; mas como o vamos acolher? Como vamos permitir que Ele passe por cada um de nós e nos dê vida, a vida eterna?

Num momento de silêncio, peçamos-lhe que passe por nós, pelo nosso coração, pelas nossas casas, pelas nossas famílias, pela nossa Ilha e nos encontre preparados para celebrarmos com Ele a Páscoa, o mundo novo que Ele nos traz e propõe.

+ Nuno, Bispo do Funchal