Homilia no Encerramento do Ano Missionário

12-10-2019

ENCERRAMENTO DO ANO MISSIONÁRIO

Cabo Girão

12 de outubro de 2019

XXVIII DTC (C)

1. "Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou" (Lc 17,19). Esta palavra de Jesus - a palavra que todos, um dia, queríamos escutar; a palavra que o mundo inteiro, de uma ou outra forma, deseja escutar ("a tua fé te salvou") - é dita a um samaritano, um "estrangeiro", alguém de fora, o último que, à partida e com critérios simplesmente humanos, poderia esperar esta bem-aventurança.

À primeira vista, a narração de S. Lucas (própria deste evangelista) consiste em mais uma das muitas situações em que o Senhor, compadecido duma situação de doença e de marginalização humana, cura aqueles homens com o simples poder da sua palavra.

Mas sabemos que a lepra não era uma simples situação de doença. Sabemos que a lepra era olhada (até há não muito tempo assim acontecia) como uma situação de radical exclusão social e de uma lenta condenação à morte. A isso obrigava a própria sobrevivência da sociedade. Obrigava a uma exclusão total - exclusão da comunidade humana e exclusão da comunidade religiosa; exclusão do contacto com os demais seres humanos e exclusão do contacto com Deus. "Impuro, impuro": assim deveriam gritar os leprosos, que deveriam igualmente trajar vestes rasgadas e cabelos desgrenhados, para que a sua situação a todos fosse evidente (Lev 13,45). Era, por excelência, a manifestação do pecado.

É precisamente nesta situação de impureza, de pecado, que Jesus encontra aqueles 10 homens. O evangelista S. Lucas tem o cuidado de nos dizer que Jesus "passava através da Samaria e da Galileia, a caminho de Jerusalém". Ou seja, passava entre o mundo dos crentes (a Galileia, onde se situavam Nazaré e Cafarnaúm, e onde se tinha desenrolado boa parte do seu ministério público) e aquele outro mundo de gente considerada fora da fé de Israel, os samaritanos.

É neste lugar de fronteira que Jesus encontra os leprosos. À distância, pedem a Jesus que tenha compaixão. E Jesus envia-os ao sacerdote, a quem competia atestar a cura e, depois de claramente curados, reintegrar os leprosos na comunidade humana e crente de Israel.

Um samaritano (que tinha sido leproso, impuro, mas que continuava, pelo facto de ser samaritano, afastado da comunidade crente - que continuava alguém que estava fora), um samaritano voltou atrás. Fê-lo, diz S. Lucas, porque encontrou Deus. Que importava o sacerdote? Que importava poder ou não ser reintegrado na comunidade? O que importava é que tinha encontrado Deus. Isso era o mais importante. Por isso voltou para trás, para reencontrar Jesus. Este homem descobriu Deus e a Sua concreta acção salvadora na sua vida: era Jesus de Nazaré, Aquele homem que tinha vindo ao seu encontro. E, nesse momento, percebeu a necessidade de O celebrar, o mesmo é dizer: de O louvar, dando a todos testemunho deste encontro, seja por meio de palavras, "com voz forte", para que todos O pudessem escutar; seja com a sua atitude, com os seus gestos, com a sua vida, laçando o seu rosto (o original grego diz: a sua pessoa) aos pés do Senhor. E, diz ainda S. Lucas, dava-lhe graças (εὐχαριστῶν, o mesmo é dizer: celebrando eucaristia).

Este estrangeiro encontrou Deus na sua vida, foi curado, proclamava com a palavra as maravilhas de Deus, entregava toda a sua pessoa nas mãos de Jesus e celebrava a Eucaristia. Tinha, verdadeiramente, chegado à fé, a essa atitude essencial para nos considerarmos cristãos, ou seja: àquela atitude em que deixamos de confiar nos nossos pensamentos e nas nossas forças, para nos entregarmos totalmente Àquele que nos pode salvar de todas as lepras.

Esta é a conversão que sempre, quotidianamente, nos é pedida a nós, cristãos. A conversão que conduz à fé e, com ela, à salvação ("a tua fé te salvou").

Também nós, um dia, encontrámos Jesus. E também nós não podemos deixar de proclamar os seus louvores, com a nossa vida, com o nosso modo de viver e com a nossa palavra, dando-lhe graças, quer dizer: celebrando a Eucaristia. É desse modo que se expressa a atitude de fé em Jesus Cristo, a atitude de fé cristã. É desse modo que nos tornamos discípulos missionários, como nos pede com insistência o Papa Francisco.

2. "Ser cristão, viver em missão": assim nos propunhamos viver este "ano missionário", em comunhão com todas as dioceses portuguesas.

Mais que recordar as tantas actividades realizadas, importa agora confrontarmo-nos com duas interrogações. Em primeiro lugar, havemos de nos interrogar sobre se, de facto, crescemos na nossa atitude missionária. O mesmo é dizer: se aprendemos a proclamar, bem alto e fortemente, as maravilhas que Deus fez por nós, de modo a testemunhá-las e a convidar outros a, também eles, se deixarem encontrar pelo Senhor. Em segundo lugar, havemos ainda de nos interrogar sobre se fomos capazes de "regressar para junto do Senhor" e dar-lhe graças, não apenas com as nossas palavras e atitudes, mas com aquelas que Ele próprio nos inspira, a nós como comunidades e como Igreja diocesana, porque - não duvidemos - uma Igreja que vive e celebra seriamente a fé é, por isso mesmo, missionária. O facto da sua simples existência é, por si mesmo, um sinal erguido no cimo de uma montanha a proclamar constantemente as maravilhas de Deus.

Ser cristão, viver em missão. O mesmo é dizer: viver sempre, em toda a parte, em estado missionário. Não porque queiramos ser mais, ou ter mais poder, mas porque não podemos deixar de mostrar os milagres que Deus faz por nós e de conduzir todos para Ele.

Na segunda leitura, escutávamos o Apóstolo S. Paulo que, da cadeia, escrevia ao seu discípulo e irmão Timóteo. O Apóstolo estava preso, mas - dizia - "a Palavra de Deus não está encadeada", prisioneira. Não há cadeias, algemas, silêncios impostos que possam fazer calar a Palavra de Deus. Ela apenas se torna muda se a vida dos discípulos se calar. E, mesmo nesse caso, disse-o o próprio Jesus, "gritarão as pedras" (Lc 19,40).

Peçamos ao Senhor que nos cure também a nós. Que nos purifique das nossas muitas lepras. E que, reconhecidos por Ele nos ter encontrado no caminho da nossa vida (tantas vezes entre a Galileia e a Samaria), sempre regressarmos para junto dele, proclamando fortemente os louvores de Deus, reconhecendo-O presente, no meio de nós. Assim, havemos de viver sempre em missão. Havemos de viver sempre a nossa condição de cristãos, discípulos missionários.

+ Nuno, Bispo do Funchal