Homilia Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus

01-01-2024
Foto de Duarte Gomes
Foto de Duarte Gomes

Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus 
Dia Mundial da Paz

1. Se o nosso coração se alegra com o início do novo ano civil e com os festejos que lhe estão associados, o mesmo coração não pode deixar de sentir e fazer sua a angústia de tantos nossos irmãos, causada pelos cenários de guerra (cujo número, longe de diminuir, parece antes aumentar, fazendo perigar que toda a humanidade se veja envolvida numa nova guerra mundial).

Mesmo vivendo nós (a nossa região, o nosso país) em clima de paz, não ignoramos as imagens que quotidianamente nos chegam pela televisão: destruição, morte, desumanidade, a contrastar com as luzes do progresso científico e tecnológico de que beneficiamos diariamente. E não podemos deixar de nos percebermos como membros de uma humanidade ferida, e de viver a com-paixão para com as famílias, as comunidades, as vidas rasgadas por conflitos sem sentido.

Ao contrário do que se possa pensar, não são as religiões mas o pecado dos homens a causa de todos esses sofrimentos. Sem Deus — sem o Deus feito Homem —, nunca o mundo será capaz de percorrer um efetivo caminho para uma vida de paz.

Queremos por isso, neste início de ano, pedir ao "Príncipe da Paz", que mude os corações de quantos ainda julgam que o conflito, a guerra, pode ser o modo de chegar a alguma conquista digna do ser humano.

2. Este ano, o Papa Francisco convida-nos (convida a Igreja universal e a humanidade do mundo inteiro) a dar particular atenção ao fenómeno que habitualmente chamamos "inteligência artificial" — quer dizer: aquela tecnologia digital que permite não apenas a transmissão veloz da informação como a criação de conhecimentos, com novos modos de abordagem e novas propostas de vida.

Na sua mensagem para o presente Dia Mundial, o Papa Francisco começa por afirmar com o Concílio Vaticano II que "Quando os seres humanos, «recorrendo à técnica», se esforçam por que a terra «se torne habitação digna para toda a humanidade», agem segundo o desígnio divino e cooperam com a vontade que Deus tem de levar à perfeição a criação e difundir a paz entre os povos. Assim — continua o Papa — o próprio progresso da ciência e da técnica – na medida em que contribui para uma melhor organização da sociedade humana, para o aumento da liberdade e da comunhão fraterna – leva ao aperfeiçoamento do homem e à transformação do mundo" (Mensagem, 1). Mas logo acrescenta o Santo Padre: "Os progressos notáveis das novas tecnologias da informação, sobretudo na esfera digital, apresentam […] também graves riscos, com sérias implicações na prossecução da justiça e da harmonia entre os povos" (Mensagem, 1).

Em particular, estes riscos decorrem de uma realidade: não podemos esperar que as máquinas sejam capazes de escolhas éticas, que sejam capazes de dar sentido às suas ações e criações. Apenas o ser humano é capaz de o fazer. E mesmo nos criadores da chamada Inteligência Artificial "não é suficiente presumir […] um empenho por agir de modo ético e responsável. É preciso — diz o Papa — reforçar ou, se necessário, instituir organismos encarregados de examinar as questões éticas emergentes e tutelar os direitos de quantos utilizam formas de inteligência artificial ou são influenciados por ela" (Mensagem, 2).

O Papa Francisco enumera algumas das áreas em que a Inteligência Artificial coloca sérias questões a toda a humanidade: a manipulação e o controle social; o uso invasivo da privacidade; a substituição do trabalhador; a educação e o direito internacional, a construção de armas letais autónomas. Por isso, o Santo Padre convida a não deixarmos de procurar a transformação das espadas em relhas de arado.

3. Neste dia em que iniciamos um novo ano; neste dia em que celebramos Santa Maria como verdadeira Mãe de Deus, não podemos — são ainda palavras do Papa — deixar de tomar consciência de que a paz "é fruto de relações que reconhecem e acolhem o outro na sua dignidade inalienável, e de cooperação e compromisso na busca do desenvolvimento integral de todas as pessoas e de todos os povos".

À Mãe de Deus confiemos todos quantos sofrem o drama da guerra; peçamos que por todos interceda, mostrando e construindo caminhos de paz no coração dos homens. E para todos nós peçamos a graça da bênção do Senhor, tal como escutávamos na Iª Leitura: "O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz". 

Sé do Funchal, 1 janeiro 2024
+ Nuno, Bispo do Funchal