Homilia no 4º Domingo da Páscoa

03-05-2020

IV DOMINGO DO TEMPO PASCAL (A)

3 de Maio de 2020


"Para que tenham a vida em abundância" (Jo 10,10)

É reconfortante escutar as palavras do Senhor com que terminava hoje a leitura do evangelho: "Eu vim para que as minhas ovelhas tenham vida e a tenham em abundância".

O que é a vida? Aprendemos na escola que um ser vivo é aquele que nasce, cresce, se reproduz e morre. Esta definição de "ser vivo" abraça certamente todos os seres humanos, mas vai mais longe: engloba ainda as plantas e os animais. Somos todos seres vivos.

Mas, para nós, é óbvio que não nos basta viver como uma planta. Falamos até, algumas vezes, em homens e mulheres que, por doença, vivem em estado "vegetativo". Quer dizer: que vivem, sim, mas que vivem à semelhança de uma planta. E, infelizmente, não raras vezes dizemos também, com tristeza: "agiu como um animal" para falarmos de alguém que tem atitudes semelhantes às dos animais, modos de ser impróprios de um ser humano - alguém a quem lhe falta educação; alguém a quem lhe falta respeito e amor pelos outros; alguém a quem lhe falta viver com a dignidade própria de todo e qualquer ser humano.

A vida humana - desde a sua concepção até à morte natural - é, na verdade, distinta, da vida das plantas e dos animais. Nós não sobrevivemos, nem vivemos conduzidos exclusivamente pelos nossos instintos. Nós, seres humanos, vivemos conscientes do que somos; somos livres, não estamos subjugados pelos instintos; amamos, e somos capazes de oferecer conscientemente a nossa vida em favor do próximo. E, sobretudo, conhecemos a Deus e somos por Ele conhecidos e amados.

A todas estas qualidades naturais da vida humana, o cristianismo juntou uma outra, esta sobrenatural: vivemos para partilhar a vida com Deus; para sermos um com Deus; vivemos com o objectivo de sermos, para sempre, um com Jesus ressuscitado. Essa é a grande novidade (a Boa Nova, o Evangelho) de Jesus Cristo: a proximidade de Deus àquele que O aceita é de tal forma que nos transformamos nele. A vida divina corre no nosso coração; o Espírito de Deus toma conta de nós como tomou conta de Jesus; a morte deixou de ter domínio sobre nós, porque trazemos connosco o princípio da vida eterna.

Como sucedeu com Jesus, quando a morte foi derrotada e a vida se ergueu vitoriosa do sepulcro, também sucederá connosco - aliás, também já sucede connosco, desde o momento do nosso baptismo.

Esta é a vida em abundância que nos é dada por Jesus. A vida que já experimentamos e vivemos. A vida que se há-de manifestar plenamente quando, no Céu, podermos contemplar a Deus face a face.

Não é uma vida que possamos conquistar por nós mesmos, pela nossa vontade, pelo nosso saber, pelas nossas forças. É uma vida que nos é dada. Não espanta, por isso, que Jesus se compare a um pastor, a um Bom Pastor, que conduz as suas ovelhas a pastagens verdejantes para que possam crescer, alimentar-se, viver, partilhar de um modo mais abundante da vida que é própria de Deus e que Ele nos quer oferecer.

Muitos são aqueles que se fazem rivalizar com Jesus: oferecem poder, pensando que é no poder que se encontra a vida. Oferecem fama, pensando que é aí que se encontra a vida. Oferecem dinheiro, pensando que é aí que se encontra a vida. Alguns até ousam oferecer Deus ou deuses. "Ladrões e salteadores" - chama-lhes Jesus, sem meias palavras, porque enganam as ovelhas, distraindo-as de caminhar para a verdadeira vida, prometendo aquilo que não podem dar.

Ao contrário, o Senhor Jesus deu a sua vida. Entregou-a à morte. Fez-se um connosco na morte, para que possamos ser um com Ele na ressurreição. É o Bom Pastor. E que bom é fazer parte, viver no redil deste Bom Pastor!

Desde há 57 anos que, neste Domingo do Bom Pastor, o Santo Padre nos convida a rezar de um modo especial pelas vocações consagradas, sobretudo pelas vocações sacerdotais. Trata-se de rezar para que não faltem aos cristãos e ao mundo aqueles que são presença sacramental do próprio Jesus - quer dizer: que tornam presente a Jesus na condução das suas ovelhas; que as reunem e que lhes distribuem o alimento da Palavra e da Eucaristia. Pedimos hoje ao Senhor que não faltem nunca à nossa diocese do Funchal os Padres, as vocações sacerdotais que permitam a todos viver, já hoje, da vida em abundância.

A falta de sacerdotes é hoje dramática, sobretudo nas Dioceses europeias. Quantos seres humanos vivem, sim, nesta Europa com abundância de dinheiro, de conforto, de prazer e de poder, mas sem conhecerem a felicidade da vida abundante que nos vem de Jesus, o Bom Pastor! Quantos seres humanos morrem, mas sem terem conhecido, vivido, querido, acreditado que a nós a vida eterna nos é oferecida em Jesus! Quantos seres humanos vivem, mas sem nunca terem saboreado o Pão da Vida que é a Eucaristia!

Hoje, como há dois mil anos, Jesus passa e chama. Que seria de nós se Pedro tivesse dito: quero viver para a minha família e a minha profissão, não te posso seguir, não me chames? Ou se Mateus tivesse respondido: tenho riqueza suficiente para mim, mesmo que arrecadada de modo desonesto; não posso abandonar o dinheiro e aquilo que ele me permite; não me chames? Ou se João, o mais novo de todos, num momento de dúvida, tivesse dito: sou muito novo para tal responsabilidade, chama outros mais velhos?

Hoje, Jesus passa e chama. Não tenho qualquer dúvida em dizer que passa pelo coração de muitos que, neste momento, participam nesta celebração. Hoje, Jesus passa e chama. Chama-te a ti. Não lhe voltes as costas. Também de ti depende a vida em abundância de tantos que precisam de conhecer o seu Bom Pastor!

+ Nuno, Bispo do Funchal